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Nova visão da história econômica do Brasil de 1820 a 1980

Não procede a frase repetida segundo a qual, entre 1900 e 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo depois do Japão

Globo

A história econômica brasileira precisa ser reescrita. Acaba de ser publicado no Journal of Iberian and Latin American Economic History artigo sobre o século XIX elaborado com Guilherme Tombolo e Flávio Versiani. Trata-se de estudo nosso que dá continuidade a outro sobre o período de 1900 a 1980, publicado na Revista Brasileira de Economia. Nosso objetivo é rever, com novas séries estatísticas e metodologias, a trajetória do crescimento brasileiro desde a Independência até 1980.

A narrativa consagrada pela historiografia era a seguinte: no século XIX, crescimento muito lento — com estagnação ou retrocesso até meados daquele século. No século XX, ao contrário, avanço extraordinário, culminando no “milagre econômico” dos anos 1960-70.

Nossas pesquisas apontam outro quadro. No século XIX, o Brasil cresceu em linha com a Europa Ocidental e outros países latino-americanos. No século XX, até 1980, o crescimento foi robusto, mas inferior ao que mostram as séries oficiais e longe de um desempenho “milagroso”.

Em “Formação econômica do Brasil”, Celso Furtado atribuiu papel quase exclusivo às exportações no crescimento. Angus Maddison e, mais recentemente, Marcelo Abreu, Luiz Correa do Lago e André Villela reforçaram a hipótese de estagnação até 1850.

Estudos recentes mudam essa visão. Christopher Absell e Antonio Tena-Junguito (2016) revisaram as exportações e mostraram que, entre 1821 e 1850, elas cresceram 3,5% ao ano — mais que o dobro da população. Longe de estagnação, houve aumento expressivo da renda per capita.

Além disso, o mercado interno cresceu de forma vigorosa. Minas Gerais importou mais escravizados que as províncias cafeeiras na primeira metade do século XIX, não para o café, mas para a produção de alimentos e gado.

Na segunda metade do século, somaram-se o avanço espetacular do café, a expansão ferroviária e a imigração europeia, que trouxe capital humano e impulsionou setores como o têxtil. Com metodologia revisada, nossas estimativas apontam crescimento per capita positivo de 0,9% ao ano em todo o século XIX.

Para o século XX, já havia disponíveis estatísticas mais amplas. Mas, em 1969, houve mudança metodológica decisiva nas contas nacionais: setores como governo, aluguéis e outros serviços foram excluídos do cálculo, inflando artificialmente os números do crescimento.

O IBGE, ao assumir as contas nacionais em 1986, aplicou o mesmo método retrospectivamente a 1947-1980. Recalculamos a série do PIB reincluindo esses setores de serviços. Resultado: crescimento do PIB per capita de 3,3% ao ano em 1947-1980, ante 4,2% na série oficial — uma diferença para menos de 30%. Para 1900-1947, a taxa cai de 2,4% para 2,0%.

Mesmo assim, o crescimento foi sólido, sustentado pela industrialização e pela migração rural-urbana, que deslocou mão de obra de baixa produtividade no campo para atividades urbanas mais produtivas.

A trajetória de 1820 a 1980 não foi a de um século XIX estagnado seguido de um século XX milagroso, como há tempos afirma a historiografia econômica. O Brasil do século XIX cresceu em ritmo comparável ao da Europa e de outros países latino-americanos. No século XX, até 1980, o crescimento foi robusto, mas longe de excepcional.

Não procede, portanto, a frase repetida segundo a qual, entre 1900 e 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo depois do Japão. Crescemos mais que a média mundial, mas não lideramos o ranking. Essa correção histórica é fundamental para entendermos melhor as continuidades em nossa trajetória de crescimento e deixarmos de alimentar ilusões sobre milagres econômicos que nunca existiram.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/10/nova-visao-da-historia-economica-do-brasil-de-1820-a-1980.ghtml#

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Sobre o autor

Edmar Bacha