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A armadilha da busca por receita

Cortar gastos, em vez de insistir na atual rotina, proporcionaria redução da inflação e dos juros e pouparia o governo da necessidade de buscar receitas ininterruptamente

Estadão

Desde a derrubada da Medida Provisória 1303, na semana passada, o governo busca alternativas para obter cerca de R$ 21 bilhões e cumprir as regras do arcabouço fiscal em 2026. Já vimos esse filme da busca por novas fontes de receita. Seria mais saudável para a economia brasileira se o governo fizesse um ajuste fiscal com corte estrutural de despesas, em vez de insistir nessa rotina para cumprir obrigações legais.

A MP 1303 poderia ter pontos meritórios, como o aumento da taxação de apostas de 12% para 18%. A questão principal, no entanto, é que foi editada para substituir a elevação de alíquotas do IOF, a tentativa anterior de obter mais receitas para cumprir o arcabouço fiscal, rejeitada pelo Congresso e levada ao Supremo Tribunal Federal.

Sendo justo, a ampliação dos gastos públicos não tem sido exclusiva do governo, como já falei em outras colunas. Na semana passada, por exemplo, a Câmara aprovou um projeto que torna efetivos agentes de saúde temporários e afrouxa regras para aposentadorias desses profissionais. O custo inicial é estimado em, no mínimo, R$ 20 bilhões. O projeto vai no sentido contrário da reforma da Previdência e do que propõe a reforma administrativa em tramitação na Câmara.

A estratégia de ampliar gastos e correr em busca de novas receitas via tributação ou de fazer bloqueios e contingenciamentos pontuais tem limites. O principal efeito do aumento de gastos é alimentar a inflação. A única forma de mudar isso de forma consistente e saudável é conter gastos.

Vou ficar em apenas um benefício de o governo fazer um ajuste fiscal: proporcionar condições para a queda da taxa de juros. As despesas do governo têm sido um fator determinante tanto na expansão do PIB, quanto na inflação. Dados do relatório Focus mostram que a inflação segue acima da meta.

O presidente do BC, Gabriel Galípolo, disse na semana passada que não há sinais de inflação dentro da meta antes de 2028. Isso significa que a taxa de juros tende a permanecer onde está — 15% ao ano — por algum tempo.

Reduzir gastos proporcionaria redução da inflação, queda dos juros e pouparia o governo da necessidade de buscar receitas ininterruptamente. Já tratei disso aqui: se a política fiscal é expansionista, a política monetária tem de ser contracionista para manter a inflação sob controle, o que significa juros mais altos.

A situação ideal, que tivemos na maior parte dos dois primeiros governos do presidente Lula, é de política fiscal e monetária na mesma direção. Quando fizemos isso, o Brasil cresceu em média 4% ao ano, criou mais de 10 milhões de empregos e 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/henrique-meirelles/o-crescimento-do-brasil-esta-preso-a-armadilha-de-buscar-receita-para-cobrir-os-gastos-publicos/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Henrique Meirelles