Entrevistas

Qualidade do crescimento no Brasil é ‘pobre’, diz CIO do ‘wealth’ da WHG

Banco Central não tem alternativa senão perseguir postura mais cautelosa e fazer o corte quando as condições forem adequadas, diz Daniel Leichsenring

Valor

Apesar do vento externo favorável, a qualidade do crescimento atual do Brasil é “pobre”, focada no curto prazo, inviabilizando investimentos de longo prazo devido ao alto custo de capital. Este, por sua vez, reflete a política fiscal expansionista, que fragiliza as contas públicas e exige juros altos. É o que diz Daniel Leichsenring, executivo-chefe de investimentos (CIO) da área de gestão de riqueza (“wealth”) WHG desde maio de 2025.

Ex-economista-chefe da Verde Asset, Leichsenring diz acreditar que o ajuste fiscal no Brasil será feito em algum momento, seja de forma planejada, o que seria o ideal, seja de forma abrupta, “forçada pelos fatos”, o que faz “diferença enorme” para o mercado, afirma.

Segundo Leichsenring, que iniciou sua carreira no departamento de pesquisa do Banco Central (BC), é natural a autoridade monetária manter uma postura conservadora diante de economia aquecida e inflação acima da meta, apesar de alguns avanços. Para ele, a janela de corte da Selic parece, hoje, ser mais no fim do primeiro trimestre de 2026, mas ele diz também ser “certo preciosismo” discutir se será em janeiro ou março. “O que faz diferença é fazer o corte quando as condições forem adequadas.”

Leichsenring mantém a tese que carrega há um bom tempo de tendência de enfraquecimento do dólar globalmente no longo prazo, o que beneficia mercados emergentes como o Brasil. O prêmio de risco ligado a tensões fiscais, porém, segura uma valorização mais firme do real no curto prazo, observa.

O economista também carregou para a nova casa os vários modelos analíticos sobre eleições com os quais trabalha e que, na sua avaliação, indicam dificuldades para polos extremos da disputa presidencial conseguirem angariar novos votos.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O BC ainda não dá sinais de mudar seu tom conservador. Isso faz vocês revisarem projeções?

Daniel Leichsenring: Minha leitura mudou pouco. O BC tem pela frente um problema relevante, que é uma economia mais dinâmica do que se imaginava, com taxa de desemprego no menor nível da história. A atividade até tem dado sinais convincentes de desaceleração, mas está crescendo perto de 3,5%, o que não acho que seja PIB o potencial do país. Por isso, ainda que haja perda de força, é uma desaceleração para nível elevado. Portanto, temos pouca ociosidade junto com inflação recorrentemente acima da meta. Para um banco central que segue o regime de metas, não tem muita alternativa senão perseguir uma postura mais cautelosa até que haja indícios suficientemente fortes de que o processo inflacionário está mais moderado e caminhando para as metas.

Valor: Estamos nesse caminho?

Leichsenring: Tem tido avanços. As expectativas de inflação vêm caindo há várias semanas; o prêmio de inflação, que é negociado nas inflações implícitas do contrato de NTN-B, tem recuado de maneira relevante, ainda que ambas sigam acima da meta. Mas, ainda que tenhamos visto melhora, parece um progresso insuficiente para o BC “cantar vitória” e começar o distensionamento da política monetária. Acredito que, se mantiver a Selic no patamar que está, em algum momento irá construir ociosidade. É certo preciosismo ficar discutindo se vai cortar em janeiro ou março [de 2026]. No fundo, para o país, não faz diferença. O que faz diferença é fazer o corte quando as condições forem adequadas.

Valor: O que pode atrapalhar?

Leichsenring: A inflação voltar a subir por qualquer motivo. Temos sempre as questões como o cenário exterior e as complicações fiscais. No fiscal, temos um governo com postura recorrentemente expansionista. Isso cria um desafio difícil de ser manejado pelo BC. Se antes, na virada do ano, havia perspectiva de que os cortes poderiam começar em dezembro, agora essa janela começa a ser mais provável a partir de março. Da mesma forma, há fatores externos que podem se alterar. Tivemos um benefício para a inflação que veio da apreciação cambial, em parte resultado da ação do BC ao aumentar o diferencial de juros, em parte resultado do movimento global de enfraquecimento do dólar.

Valor: Há algum tempo o sr. defende a tese de dólar fraco no mundo. Agora que vimos algo disso se consumar, essa tese se mantém?

Leichsenring: Ainda se mantém. Estamos em um ciclo de dólar em queda que deve perdurar por alguns anos. O dólar ainda é muito caro em perspectivas históricas. Se olhar a taxa efetiva real da moeda americana contra os pares ajustada pela inflação, o dólar ainda está 15% acima da sua média de longo prazo. Por isso, ainda há espaço para a moeda americana cair para patamares menores. Mas não é algo que acontece do dia para a noite, os ciclos do dólar são super longos. Não são meses, são décadas. Também não é um movimento linear. E, para além da discussão do valor da moeda americana, há agora o questionamento do dólar como moeda de reserva. Em um mundo de conflito geopolítico, diversas instituições não se sentem tão seguras em deixar parte relevante do seu dinheiro nas Treasuries americanas. Nesse contexto, o ouro tem tido uma performance incrivelmente absurda. Se essa questão das reservas beneficia o ouro, o enfraquecimento do dólar beneficia mercados emergentes.

Iniciativa privada está de mãos algemadas, olhando esse custo de capital”

Valor: Isso permite ao sr. não ficar tão pessimista com o Brasil?

Leichsenring: Temos um vento externo favorável, mas não dá para contar só com isso. Não podemos responsabilizar os estrangeiros pelos nossos problemas. E boa parte do nosso risco está relacionada à situação frágil das contas públicas. Temos uma política fiscal sempre pisando no acelerador, aquecendo a demanda, o que exige política monetária mais restritiva. Vivemos uma combinação muito perversa.

Valor: Como fica a qualidade do crescimento nesse cenário?

Leichsenring: É uma qualidade pobre, porque é um crescimento de curto prazo. Em um universo em que o governo gasta muito e aloca capital de maneira muito ineficiente, a consequência é uma taxa de juros elevada, que faz com que qualquer projeto de investimento a longo prazo seja inviável com um custo de capital que parte de 15% ao ano. Nenhuma empresa capta dinheiro assim, quem capta é o governo. Mas não gastamos aqui com investimento público também; todo ano não tem dinheiro para gasto de qualidade.

Valor: Existe perspectiva de mudança nessa política fiscal após a eleição presidencial de 2026?

Leichsenring: Independentemente de quem ganhe, haverá ajuste fiscal. Eu espero. Agora, uma coisa é ter um ajuste fiscal que você desenha, implementa e, portanto, colhe os benefícios nos preços de ativos e no risco da economia; outra coisa é o cenário inverso, em que a economia piora tanto por causa dos riscos fiscais que você acaba sendo obrigado a executar um ajuste em condições mais adversas. No fundo, tenho convicção de que o ajuste vai sair. Só não sei se de maneira planejada ou abrupta, forçada pelos fatos. Para o mercado, isso faz diferença enorme.

Valor: Por que NTN-Bs (títulos ligados à inflação) não têm acompanhado a melhora em outros ativos?

Leichsenring: Tem certa dificuldade de o juro real cair quando o BC está apertando a política monetária e consolidando o cenário de desinflação. E, aí, tem a ver com o prêmio da inflação sobre a meta. A inflação vai reduzindo, mas o BC ainda não cortou o juro. Então, o juro real vai subindo. Ainda tem um prêmio de inflação sobre a meta relevante. Precisa cair um pouco mais do prêmio para o juro real poder cair de maneira mais significativa. Eu diria que estamos no caminho certo, o prêmio está caindo, as pessoas começam a aproveitar a inflação mais baixa. É um reconhecimento de que a política monetária faz efeito. Em algum momento, vai ter condição de cortar a Selic e o juro real vai cair. Diria que a NTN-B está “grávida” de uma queda de juro real. É um momento particularmente bom para investir.

Valor: O desempenho do real não está muito distante, por exemplo, do peso mexicano, mas nosso diferencial de juros com os EUA é muito maior que o do México. O que segura, é prêmio de risco?

Leichsenring: Não tenho dúvida. Todo mundo tem receio de aparecer alguma coisa. Agora, por exemplo, pode vir um projeto de transporte gratuito que custa a bagatela de R$ 100 bilhões por ano. Está todo mundo com essa tensão tão grande sobre o futuro das finanças públicas que qualquer notícia provoca insegurança. Os estrangeiros não estão envolvidos no Brasil, apesar do carrego muito grande.

Valor: Os preços dos nossos ativos estão baratos?

Leichsenring: Os ativos brasileiros são muito baratos. Todos eles. Na bolsa, por exemplo, o Ibovespa subiu 21% no ano, mas, em termos de múltiplo, ou seja, quantas vezes o lucro você está pagando, é quase 25% abaixo da média histórica. Parece barato. Por quê? Por causa do juro de 15%. Se a taxa de juro cair de maneira estruturada, não em um arroubo, vamos ver benefícios. Tivemos um experimento no Brasil ótimo para isso que foi o teto de gastos. O [ex-presidente Michel] Temer herdou uma Selic de 14,75%, não muito diferente da atual, e, em dezembro de 2019, antes da pandemia, o BC estava cortando de 5% para 4,5%, com a inflação abaixo do piso da meta. Aquilo foi um experimento fantástico de que, se controlar o crescimento do gasto público, a taxa de juros pode cair de maneira muito significativa. Hoje, temos uma economia que vai bem, só que é muito incentivada pelo governo, e a iniciativa privada está de mãos algemadas, olhando esse custo de capital e pensando que não vai investir.

Valor: Como vocês têm enxergado a precificação da eleição de 2026 no mercado?

Leichsenring: É difícil dizer. Depende um pouco da hipótese. O mercado está tentando tatear e ninguém tem resposta. Eu olho de maneira mais agnóstica. Não sei quanto está precificado e não me importa muito hoje. Está longe, tem muito tempo para observar e muita coisa para acontecer. O que dá para dizer é que o Lula é uma pessoa impopular. Embora ele tenha melhorado desde março, abril, segue com aprovação líquida negativa. Nenhum presidente se reelegeu com o nível de aprovação que ele tem hoje. Ele precisa melhorar bastante a sua popularidade para se tornar o favorito inconteste. Se a eleição fosse hoje, acho que ele teria dificuldade importante de ser reeleito. Historicamente, de outubro a maio a sazonalidade é pior: os presidentes se tornam mais impopulares nesse período e melhoram de maio a outubro do ano eleitoral. Para dizer mais uma coisa, o Brasil passou por um processo de polarização que retirou muita gente do centro.

Valor: Como assim?

Leichsenring: Quando eu digo centro, estou pensando que a avaliação de governo em ótimo, bom, regular, ruim e péssimo costuma se distribuir quase como uma curva normal. A partir do governo [de Jair] Bolsonaro, reduziu muito o número de pessoas que julgavam qualquer governo regular e aumentaram as caudas. Se hoje você tem 33% de ótimo/bom, historicamente, teria 40% a 45% de regular. Agora, tem algo como 27%, 28%.

Valor: O que isso significa?

Leichsenring: Isso importa porque a sua popularidade é a sua capacidade de convencer as pessoas de que o governo é ótimo/bom em relação a regular, ruim e péssimo. Só que o “lago” em que você vai “pescar o seu peixe”, o seu eleitor, é menor do que no passado, a probabilidade de você convencer mais gente de que o governo é ótimo/bom é menor do que a média histórica. A minha avaliação de que governos tendem a melhorar a popularidade de maio a outubro do ano eleitoral é válida na média dos governos para um certo tamanho de “lago” em que ele pode “pescar”. Se o lago é menor, provavelmente, ele terá menor capacidade do que a média histórica de melhorar a sua popularidade. E, aí, a capacidade de transformar avaliação em voto também fica prejudicada. Isso vale para dos dois polos de candidaturas. Só que eu acho que o polo da “direita Bolsonaro” não vai estar no bilhete. E quem vai estar, acho que tem mais capacidade de convencer o eleitor que não é polar. Então, eu olho para todo esse ambiente eleitoral como existindo uma probabilidade maior do que a normal de ter alternância de poder no ano que vem.

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