Folha
O regime tributário especial para data centers (Redata), recém-lançado pela MP (medida provisória) 1.318, pretende explorar supostas vantagens comparativas do Brasil para nos colocar entre as grandes sedes mundiais de datacenters.
Na verdade, é mais um daqueles gastos tributários que o governo diz abominar, mas que não para de criar, e que geram mais ganhos privados do que públicos.
A vantagem comparativa do Brasil para hospedar data centers viria da abundância de energia renovável. Também temos boa infraestrutura de cabos submarinos, para transmitir dados a outros continentes.
Porém, conforme a exposição de motivos da MP 1318, “a operação, no Brasil, [é] em média, 30% mais custosa que no exterior, devido principalmente à tributação sobre equipamentos de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC)”.
Partindo desse diagnóstico, o governo se propõe a dar isenção de impostos para a importação de equipamentos de TIC. Mas restringe a isenção aos data centers, e a sujeita à restrição de que os benefícios tributários só valem se os bens importados não competirem com os da Zona Franca de Manaus (ZFM) ou não tiverem “similar nacional”.
Ou seja, quem quiser instalar data center no Brasil terá redução de impostos, mas continuará enredado no cumprimento de regras de proteção da ZFM e de conteúdo local.
Assim, o Redata é apenas mais uma exceção pontual ao malsucedido modelo protecionista, que vigora há décadas, em que o Brasil tenta criar uma indústria própria de TIC, recorrendo a altas tarifas, exigências de conteúdo local e financiamentos subsidiados. Neste modelo, há uma teia de exceções regulatórias, permeável a lobbies, com alto custo de fiscalização e de cumprimento das regras, que deixa brechas à corrupção. José Augusto Fernandes e Renato Fonseca, em estudo para o CDPP, mostram que o resultado de décadas dessa política é “uma indústria manufatureira de TICs protegida da competição internacional e, consequentemente, com baixa competitividade”.
Exemplo típico é o programa de incentivo à indústria de semicondutores (Padis), recentemente renovado, sem data para acabar, a despeito dos parcos resultados e alto custo.
Fernandes e Fonseca também mostram que bens e serviços de TIC são “essenciais para a transformação digital em todas as atividades econômicas”: agricultura de precisão, planejamento de rotas, serviços financeiros, bens de capital com tecnologia embarcada, automatização de processos…
Todos os setores da economia —desde o autônomo com um celular nas mãos aos grandes grupos econômicos, incluindo governos e consumidores— estão reféns de uma política protecionista, que nega acesso a tecnologia importada melhor e mais barata, seja por tarifas altas, seja por restrições regulatórias.
O que precisamos é de uma redução horizontal —e não apenas para datacenters— de tributos e exigências regulatórias descabidas. A livre escolha das empresas na compra de máquinas e serviços de TIC acabaria encontrando as reais vantagens comparativas da nossa economia, aumentando a produtividade e o crescimento.
Nem sequer podemos garantir que temos vantagens comparativas para data centers. Afinal, não dispomos de clima frio (para facilitar o resfriamento das máquinas), licenciamento ambiental ágil, boa infraestrutura logística ou capital humano bem treinado. A nossa energia, embora abundante, é cara e sujeita a apagões.
Mas o governo, com apoio de interessados, acredita saber mais que o mercado e a sociedade, e escolheu os data centers. Vai custar caro e dar errado. De novo.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/10/regime-especial-de-data-centers.shtml
As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.