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Mudanças climáticas e as obrigações dos Estados

Estadão

Estamos às vésperas da COP-30, a realizar-se em Belém. Daí a oportunidade de considerações mais abrangentes sobre as obrigações dos Estados em matéria de mudanças climáticas. Estas foram objeto de circunstanciado parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça de 23 de julho. O parecer foi solicitado por resolução da Assembleia-Geral da ONU.

O parecer da Corte não é um comando jurídico. É uma vis directiva do que deve ser observado pelos Estados nas suas obrigações em relação às mudanças climáticas. Atende à necessidade de quem a pediu, os membros da ONU, e surgiu da consciência dos riscos das mudanças climáticas. As razões do acatamento do parecer da Corte residem na sua substância. As consequências danosas de seu não acatamento recaem sobre os seus destinatários, a comunidade internacional, pois os danos da mudança climática atingem a todos.

As questões propostas à Corte representam mais do que um problema jurídico. Dizem respeito a um problema existencial de proporções planetárias, que coloca em perigo as formas de vida e a saúde do mundo. Por isso, exigem soluções em todos os planos da ação e da sabedoria humanas. A Corte tem a expectativa de que as conclusões de seu parecer permitirão ao Direito informar e guiar a ação social e política voltada para enfrentar a crise climática.

A ciência, a técnica e o conhecimento são os meios de desvendar os efeitos danosos da mudança climática, assim como de evitar e combater os seus riscos.

A ciência e o conhecimento são “fonte material” da maior magnitude do Direito Internacional do Meio Ambiente e de seus desdobramentos. Incidem nos processos decisórios das negociações e contribuem para a formatação de suas múltiplas modelagens e normas.

É o caso da Convenção do Clima, um tratado-quadro que reúne seus membros na regularidade das conferências de suas partes – como é o caso da COP-30 – para deliberar sobre o desenvolvimento progressivo de seus dispositivos.

Meio Ambiente é transversal, multidisciplinar e transfronteiras. Por isso, as obrigações dos Estados nesta matéria não se circunscrevem a uma lex specialis. Inserem-se no amplo âmbito de outras normas do Direito Internacional.

O parecer realça o dever de cooperação para a proteção do meio ambiente. O dever emana da Carta da ONU e resulta da opinio juris de uma norma do direito costumeiro. É o que intrinsecamente vincula este dever à especificidade de um dever de prevenir dano significativo ao meio ambiente, pois o esforço individual não coordenado dos Estados, em função da interdependência transfronteiras do dano, não se traduz em resultados significativos de ordem global.

Este dever é parte da lei aplicável e dele resulta a exigência da diligência devida. “Due diligence” não se cinge apenas à adoção pelos Estados das apropriadas normas e medidas. Requer um certo nível de vigilância na sua implementação e no exercício de controle administrativo. São obrigações do comportamento que excluem ações e omissões nesta matéria. A tutela do desenvolvimento sustentável, o princípio de precaução e a análise dos riscos do impacto ambiental da ação humana são facetas que integram a avaliação da diligência devida.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é também parte da lei aplicável, pois os fatos adversos da mudança climática afetam a fruição dos direitos humanos, uma vez que a vulnerabilidade dos ecossistemas se traduz na vulnerabilidade das populações humanas, que são os destinatários da tutela dos direitos humanos.

A equidade no parecer não é afastar válidas normas existentes ou exceder os seus limites. Sua função é encontrar soluções apropriadas para a aplicação da lei. É o caso do princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas” em função das distintas capacidades que separam o mundo desenvolvido do mundo em desenvolvimento. É, na formulação de Tercio Sampaio Ferraz Junior, uma “regra de calibração” de um ordenamento. Permitiu o encaminhamento das negociações em torno do meio ambiente como as da Convenção do Clima e tem um significado jurídico na sua interpretação e desenvolvimento progressivo.

A equidade está presente, como destaca o parecer, na vis directiva do que se qualifica como equidade intergeracional. É a obrigação positivada na Convenção do Clima de proteger e preservar o “sistema climático” em benefício não apenas das gerações presentes, mas das futuras.

A palavra responsabilidade tem sua origem em respondere, responder. A elaboração jurídica da responsabilidade traduz nos seus desdobramentos respostas à situação e fatos causadores de danos e injustiças e a avaliação do que se configuram como ilícitos a serem contidos pelo Direito. O parecer, na sua abrangência, dá conta de que os compromissos dos Estados em matéria de meio ambiente configuram novas dimensões de responsabilidade jurídica internacional. São constitutivas da resposta aos riscos que afetam a sobrevivência da vida na Terra.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/celso-lafer/mudancas-climaticas-e-as-obrigacoes-dos-estados/

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Sobre o autor

Celso Lafer