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PEC dos agentes de saúde é um grande retrocesso

Folha

A Câmara aprovou no dia 7 a PEC (projeto de emenda à Constituição) 14, de 2021, dos agentes de saúde e dos agentes de combate às endemias. A PEC estabelece que os agentes terão aposentadoria integral e, adicionalmente, paridade com os profissionais da ativa, além de o contrato de trabalho passar a ser o de servidor público estatutário.

A PEC representa um imenso retrocesso em relação à PEC 41, aprovada em 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, que eliminou o princípio da paridade entre ativo e inativo no serviço público federal.

Adicionalmente, representa retrocesso em relação à lei 12.618, aprovada no primeiro mandato da presidente Dilma, em 30 de abril de 2012. A lei criou a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público). Com isso, o valor máximo do benefício previdenciário dos servidores da União passa a ser o mesmo do teto da previdência dos trabalhadores CLT.

Para ter maiores benefícios, é necessário que o servidor poupe, ao longo de sua vida produtiva, no fundo de previdência complementar. Iguala, portanto, a regra dos servidores públicos com os trabalhadores do setor privado, além de adicionar uma fonte de poupança para o país, que luta com os maiores juros que há.

Adicionalmente, a PEC 14 transforma a carreira do agente de saúde e dos agentes de combate às endemias em servidores públicos estatutários.

Ou seja, um programa que se iniciou com trabalho voluntário foi se institucionalizando, e agora corre o risco de o serviço ser prestado por servidores estatutários com estabilidade funcional e aposentadoria integral com paridade com o servidor da ativa. Essa transformação certamente atende aos interesses dos agentes. Será que atenderá aos interesses dos usuários dos serviços?

A maior vantagem dos serviços dos agentes de saúde é a proximidade com a comunidade local. O prestador do serviço tem que ser alguém que vive na comunidade. As famílias abrem as portas de suas casas para receber o agente.

É útil acompanhar a experiência do antropólogo Juliano Spyer em um bairro da periferia de Salvador. No quinto capítulo do livro “Mídias Sociais no Brasil Emergente“, editado pela Armazém Cultural, Juliano descreve as dificuldades das escolas públicas em nossas periferias. O texto foi escrito a partir de sua experiência vivendo 18 meses em um bairro periférico de Salvador. Na página 198, lê-se:

“Uma das questões básicas com as escolas locais tem a ver com muitos professores serem estranhos ao povoado. As escolas preferem contratar pessoas da região, mas não há muitos professores qualificados vivendo nas redondezas para ocuparem a vaga, então a maior parte do quadro de professores vem da cidade diariamente, e isso cria novas ansiedades. Alguns pais e parentes reclamam da frequência com que professores faltam ao trabalho, o que acontece por uma série de razões, incluindo falta de motivação e problemas de transporte. Essa situação recorrente significa que os alunos estão constantemente sem supervisão durante as aulas”.

O estranhamento da escola com a comunidade gera também, como apontou Juliano em outra passagem, desconfiança dos alunos e dos pais com a instituição, o que contribui para piorar o desempenho dos alunos.

Burocratizar e aumentar a distância dos agentes de saúde das comunidades não contribuirá para elevar a qualidade dos serviços públicos.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/10/pec-dos-agentes-de-saude-e-grande-retrocesso.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa