FVG IBRE
O arcabouço fiscal impõe restrição estrutural a despesas discricionárias. O limite de crescimento real de 2,5% ao ano é inferior à taxa de expansão das principais rubricas obrigatórias, comprimindo o espaço para gastos públicos não obrigatórios.
No quadriênio do terceiro mandato do presidente Lula, a dívida pública aumentará 11% do PIB, de 71,7% para 82,2%. Nos últimos dois anos, o déficit nominal médio foi de 8,7% do PIB, a mais alta sequência de déficits nominais dos últimos oito anos.
Dificilmente a economia aguentará uma nova rodada de elevação de mais de 10 pontos percentuais da dívida pública. No próximo governo será necessário realizar um ajuste fiscal.
Nesta coluna, vamos apresentar a evolução das diversas rubricas do gasto público tomando como base 2002, o último ano do governo FHC. Olhar para o filme do gasto público desde 2002 até 2025 ajuda a entender os dilemas que o novo governo, e, a sociedade, de maneira mais geral, enfrentarão no quadriênio de 2027 até 2030.
Gráfico 1: Despesa primária do governo central (% PIB)

Na figura acima, a primeira coluna representa o gasto primário de 15,9% do PIB em 2002. A última coluna, o gasto primário de 19,1% do PIB que, segundo nossas estimativas, será executado em 2025. Ou seja, nos últimos 23 anos o gasto público primário cresceu 3,2 pontos percentuais (pp) do PIB.
Um pouco mais da metade da expansão do gasto primário federal no período analisado decorreu da combinação de três fatores: (i) o envelhecimento populacional, (ii) regras de admissibilidade muito abrangentes à Previdência e programas sociais e (iii) a indexação automática de benefícios sociais e outras despesas. É o caso dos benefícios sociais, como previdência, BPC, abono salarial e seguro-desemprego, que cresceram 3,3 pp do PIB no período, além dos gastos com saúde e educação, que aumentaram 0,8% pp do PIB.
A outra metade da expansão refletiu a criação e a ampliação de programas como o Bolsa Família, responsável por um acréscimo de 1,3 pp do PIB, além do aumento das emendas parlamentares, que representaram 0,2 pp do PIB. Como resultado, a participação das despesas com funções sociais no gasto primário federal passou de 52% em 2002 para uma estimativa de 72% ao final de 2025.
A expansão dos gastos só não foi maior porque as demais despesas discricionárias, excluindo saúde, educação e emendas, recuaram 1,6 pp do PIB no período, inclusive com a queda do investimento público. O mesmo ocorreu com as despesas com pessoal, que também caíram 1,6 pp.
Contudo, acomodar o crescimento dos gastos obrigatórios, ainda que parcialmente, por meio da compressão das despesas discricionárias e da folha de pagamentos parece cada vez mais próximo do limite. O número de servidores civis federais, por exemplo, caiu 4,4% entre 2019 e agosto de 2025, enquanto a remuneração média teve redução real de 6,4% no mesmo período.
No caso das despesas discricionárias, o próprio arcabouço fiscal impõe uma restrição estrutural. O limite de crescimento real de 2,5% ao ano é inferior à taxa de expansão das principais rubricas obrigatórias, comprimindo, ano a ano, o espaço para gastos não obrigatórios. Estimamos um espaço livre, após descontados os pisos constitucionais de saúde e educação, emendas parlamentares, o mínimo necessário para custeio da máquina pública e um patamar mínimo de investimentos federais, de apenas R$ 4 bilhões em 2026. Já em 2027, estimamos insuficiência de espaço fiscal de R$ 9 bilhões. Essa estimativa já incorpora aumento de R$ 12 bilhões nas despesas públicas, em função do julgamento do STF sobre o salário-maternidade.
Gráfico 2: Discricionárias livres (R$ bilhões)

Fonte: Tesouro Nacional e autores
Entre 2007 e 2010, a receita líquida do governo central registrou média de 18,7% do PIB, enquanto a despesa primária oscilou ao redor de 17% do PIB — já descontados o impacto da cessão onerosa sobre a receita e o da capitalização da Petrobras sobre a despesa primária. Com isso, o superávit primário médio no período foi de 1,7% do PIB.
Com as medidas de aumento de arrecadação implementadas nos últimos dois anos e meio, o governo deve encerrar o mandato com uma receita líquida próxima de 18,9% do PIB — um ganho expressivo, de quase 2 pontos percentuais, que supera a arrecadação média do segundo governo Lula.
Ainda assim, esse esforço será insuficiente para reequilibrar as contas públicas, pois, ao longo do tempo, a despesa primária cresceu de forma contínua e estrutural. Mesmo que a carga tributária retorne aos níveis observados em 2010, o descompasso atual entre receita e despesa já não permite a retomada do superávit primário, muito menos a estabilização da dívida pública, sem mudanças relevantes no ritmo de crescimento do gasto.
Dessa forma, o ajuste das despesas primárias federais passa, necessariamente, por mudanças nas regras de indexação do gasto público e nos critérios de concessão de benefícios sociais.
Não se trata de negar a necessidade de uma despesa pública eficiente e justa, o que inclui a revisão de pressões vindas de grupos específicos, como supersalários e a previdência dos militares. Trata-se de reconhecer que alinhar o crescimento do gasto primário federal à expansão da economia brasileira exige enfrentar esses pontos estruturais.
Link da publicação: https://blogdoibre.fgv.br/posts/dilemas-da-politica-fiscal
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