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Contas externas testam limites da economia

Folha

A formulação da política econômica nos governos petistas faz com que a economia teste os limites da capacidade produtiva.

Na área externa, há uma clara piora recente no balanço de transações correntes. Neste, são contabilizadas todas as transações entre residentes e não residentes de um país.

Há quatro contas: balança comercial de mercadorias; balança comercial de serviços; balanço das rendas primárias; e da renda secundária, antigamente conhecida como transferências unilaterais.

Os serviços correspondem a turismo, fretes, aluguéis de equipamento, streamings, uso de nuvens etc. A renda primária corresponde à remuneração dos investimentos que brasileiros fizeram no exterior, líquido da remuneração dos investimentos de estrangeiros no Brasil. Trata-se dos juros pagos e dividendos distribuídos. A renda secundária corresponde às remessas de imigrantes aos seus familiares, doações e ajuda internacional, além de transferências do país para o custeio das agências multilaterais.

Nos 12 meses terminados em setembro, o saldo das transações correntes foi negativo em US$ 79 bilhões. Representa uma piora de US$ 57 bilhões sobre os 12 meses terminados em fevereiro do ano passado. A deterioração em pouco mais de um ano e meio impressiona. Como proporção da economia, saímos de um déficit de 1%, em fevereiro de 2024, para 3,6% do PIB, em setembro passado.

A piora de US$ 57 bilhões das transações correntes divide-se em US$ 45 bilhões para a balança de mercadorias, US$ 9 bilhões para a balança dos serviços e US$ 3 bilhões de piora para as duas balanças de rendas. A balança de mercadorias responde por 79% da piora (45/57).

Um sinal claro de que a economia testa os limites de sua capacidade, isto é, os limites da demanda sobre a oferta, é que somente a elevação das importações foi de US$ 37 bilhões, ou 65% da piora de US$ 57 bilhões das transações correntes. O valor das importações elevou-se muito em um período no qual os preços dos bens importados caíram. O que indica que a piora deveu-se à elevação das quantidades importadas. De fato, elas responderam, de fevereiro de 2024 até setembro passado, por uma piora de US$ 55 bilhões.

A elevação das importações é sinal de que a oferta doméstica não tem conseguido atender à demanda. Como tenho escrito neste espaço, a elevada inflação de serviços é outro sinal do excesso da demanda sobre a oferta. A maior parcela dos serviços é de oferta doméstica e, para estes, o excesso de demanda sobre a oferta se transforma em elevação do preço doméstico, isto é, em inflação.

Esperamos que a desaceleração em curso da atividade irá reduzir as importações e melhorar o saldo das transações correntes em 2026.

De qualquer forma, o saldo tão negativo das transações correntes, 3,6% do PIB, como vimos, expressa a característica básica de nós sermos uma economia de baixa poupança. Com superávit comercial na balança de petróleo e derivados de US$ 33 bilhões em 2025, deveríamos ter conta-corrente bem melhor. O mesmo se aplica às contas públicas: com a contribuição para as contas da União das receitas de impostos ligados ao setor petrolífero de R$ 261 bilhões, deveríamos observar superávit primário nas contas públicas.

Já estamos produzindo 4 milhões de barris por dia de petróleo. Na prática, o bilhete premiado das reservas petrolíferas do pré-sal está virando consumo corrente. Não é necessariamente ruim, mas contribui para perpetuar nossa mediocridade.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/11/contas-externas-testam-limites-da-economia.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa