Estadão
Fernando Haddad ainda não entendeu o regime de metas
Fernando Haddad afirmou que, se fosse diretor do BC, votaria pela redução da taxa de juros, “apesar da pressão dos bancos”. Declaração curiosa por ao menos dois motivos: primeiro porque sete dos nove membros da diretoria do BC, portanto do Copom, inclusive seu presidente, foram indicações de Haddad; segundo porque revela ignorância imperdoável depois de 26 anos do regime de metas para a inflação.
Simplificadamente, o Copom decide a taxa de juros com base no desvio da inflação com relação à meta. Se a inflação está acima da meta, a Selic deve superar o que se estima ser o juro dito “neutro”; se abaixo da meta, o contrário.
Obviamente, inflação não se refere à observada nos últimos 12 meses. Ainda não inventaram uma maneira de alterar a inflação passada (alguns bem que tentaram, mas não deu muito certo). Como a taxa de juros afeta os preços com certa defasagem (15 a 18 meses), quando o Copom fala de inflação, refere-se à sua própria projeção para o “horizonte relevante”, que, diga-se, não é a mesma feita pelo mercado financeiro.
No caso, o BC prevê inflação de 3,3% nos 12 meses até junho de 2027, com base numa trajetória em que a Selic começaria a cair já na primeira reunião de 2026 e atingiria 10,50% ao final de 2027. A menos que o STF tenha alterado também a matemática, a inflação ficaria acima da meta caso a Selic fosse reduzida agora.
Isto dito, o Copom não é escravo dos seus modelos. Há, como sempre houve, espaço para julgamento por parte de seus membros, em particular o chamado “balanço de riscos”, isto é, como se avaliam as chances de a inflação ficar acima ou abaixo da projetada em seu cenário de referência.
A decisão sobre a Selic, portanto, depende tanto do que o Copom espera ser a inflação futura, como dos riscos associados a esta previsão.
Aí me pergunto se Haddad sabe de algo sobre a evolução futura da inflação que o BC não saiba para ter tanta certeza de que a Selic já poderia cair. Pergunta retórica, bem entendido.
É feio, embora não inédito, o desconhecimento do regime monetário em vigor há tantos anos no Brasil. Mais feio ainda, todavia, é o esquerdismo juvenil de associar o juro alto no Brasil à “pressão dos bancos”.
Não é, porém, surpreendente dada a insistência de Haddad em se distanciar de qualquer responsabilidade pelas consequências de suas políticas. A origem do elevado juro real no Brasil é o crescimento dos gastos e da dívida, quesitos que só pioraram em sua gestão. Quando entender isso e agir de acordo, o juro poderá cair.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/fernando-haddad-ainda-nao-entendeu-o-regime-de-metas/
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