Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Folha
[RESUMO] Autores apontam problemas na aplicação de recursos do Sistema S, como a remuneração de autoridades pela participação em conselhos fiscais de entidades como o Senac e o Sesc e a destinação de verbas do Senai e do Sesi para federações de indústrias e a CNI.
É de 1942 a iniciativa da instalação de escolas técnicas visando atender às necessidades da então nascente indústria brasileira. À criação do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), seguiram-se o Sesi (Serviço Social da Indústria), o Sesc (Serviço Social do Comércio) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), com o escopo ampliado para incluir ensino básico, saúde, cultura, esporte e lazer.
Mais de 80 anos depois, esse conjunto é composto de entidades financiadas —total ou parcialmente— por uma contribuição parafiscal, compulsória. Compõem o Sistema S (os chamados serviços sociais autônomos). Um adicional de até 2,5% calculado sobre a folha de pagamento das empresas brasileiras de vários setores é destinado a financiá-lo.
Ao conjunto inicial, somaram-se entidades do setor agrícola, transporte e cooperativas. Mais tarde, na busca de uma fonte segura e não governamental de recursos, instituições tão diversas como Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) e ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) juntaram-se ao fortunoso grupo dos que acessam parte desses recursos e passaram a não depender exclusivamente do instável orçamento público federal.
O valor pago pelas empresas para as entidades do Sistema S foi, em 2024, de R$ 33 bilhões. Uma montanha de dinheiro, em grande parte bem aplicado. Dada a natureza tributária dos seus recursos, o TCU (Tribunal de Contas da União) fixou, há tempos, jurisprudência de que as entidades do Sistema S, a despeito de não integrarem a administração pública, devem prestar contas ao TCU, sendo regularmente fiscalizadas —são chamadas de “entidades públicas não estatais”.
Essas auditorias revelaram, como costuma acontecer em geral, problemas de natureza diversa, como contratação de fornecedores cujos sócios são dirigentes das entidades ou ainda admissão como funcionários de parentes desses mesmos dirigentes.
O que o TCU não apontou é que entidades valorosas como o Senac e o Sesc espantosamente usam o cargo de conselheiro fiscal para complementar, com até R$ 32 mil mensais, o salário de quem deveria colaborar voluntariamente pela meritória causa, entre eles ministros de Estado e, por provável obviedade, defensores da manutenção do status quo. Como a remuneração é função da presença, os conselhos fiscais de ambas as entidades fizeram, em 2024, 72 reuniões, obedecido o limite legal de seis reuniões por mês.
Olhando em particular para aquelas do setor industrial, o Sesi e o Senai, verifica-se que recolhem anualmente cerca de um terço do total dos recursos de todo o Sistema S, precisamente R$ 12,3 bilhões em 2024. Aqui, os problemas são de outra natureza:
- a localização de novas unidades são por vezes definidas em função das conveniências políticas dos dirigentes das federações das indústrias, que presidem os conselhos do Sesi e do Senai;
- há uma crescente tendência a privilegiar o ensino superior, não mais o ensino técnico; há entidades que mantêm hoje universidades (como na Bahia, que outorga títulos de mestre e doutor) e muitas têm faculdades (em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, entre outros);
- muitas vezes não se levam em conta as necessidades de uma indústria cujo perfil está mudando rapidamente; o resultado são cursos de baixa demanda e crescente nível de evasão.
Mas a questão mais dramática diz respeito ao uso de recursos do Senai e do Sesi para financiar as federações. Os dados são difíceis de obter, dada a baixa transparência da vida financeira das mesmas (Paraná sendo uma exceção).
Aqueles disponíveis indicam que, em 2024, R$ 897 milhões da receita proveniente da folha de pagamento das empresas foram destinadas para as federações das indústrias e para a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Isso representa algo como 7% das receitas e é transferido supostamente para remunerá-las pela gestão superior das entidades. Ocorre que esses recursos acabam por representar mais de 70% do orçamento das federações. Ou seja, o dinheiro recolhido para formação técnica e lazer dos funcionários financia as estruturas das representações, um óbvio desvio de finalidade.
O TCU, em uma de suas decisões, apontou corretamente que “nessa modelagem de governança, há alto risco de captura dos interesses dos serviços sociais autônomos pela entidade sindical patronal”. Em 2024, o tribunal indicou a conveniência de que essas prestassem contas aos serviços sociais autônomos dos recursos que recebem.
O momento em que muitas federações de indústrias —como a maior delas, a de São Paulo— trocam a sua direção seria ótimo para que se faça, serena, mas consequentemente, essa discussão, com um planejamento de transição temporal, claro e participativo, liberando o potencial do sistema todo, que sabe autorreger-se, e teria das federações uma orientação superior.
Como então financiar, por exemplo, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), sem apossar-se de dinheiro destinado ao ensino e ao lazer dos industriários? Qual o percentual adequado de cobrança por essa orientação, certamente muito distante do irrazoável patamar atual? Como fazer com que os sindicatos, que elegem a direção da federação, a financiem, e não o contrário, como acontece hoje para os sindicatos menores?
A respeitabilidade, a independência e a autoridade das federações das indústrias dependem, entre outras, da fonte dos seus recursos financeiros. Não deveríamos mais tolerar que parcela do que todas as empresas brasileiras recolhem para a formação e o lazer de seus funcionários seja utilizada para acomodar e sustentar a direção de grandes e poderosas entidades patronais brasileiras.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2025/11/desvios-tem-que-ser-combatidos-para-fortalecer-o-sistema-s.shtml
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