Artigos

Receita para não reduzir juros

Não é a pressão política que criará condições econômicas favoráveis para o BC reduzir a Selic e, sim, uma redução no gasto público, com o fortalecimento do arcabouço fiscal

Estadão

Como é comum no Brasil, há novamente pressão do governo para que o Banco Central reduza os juros. Estamos a menos de um ano da eleição e uma redução na Selic leva em torno de seis meses para surtir efeito na atividade econômica, portanto é normal que a ansiedade do mundo político se manifeste. Mas isso é improdutivo. Já escrevi aqui e repito: nada melhor para evitar a queda dos juros do que pressionar o BC a reduzir os juros.

Digo isso com conhecimento de causa. Em 2003, quando assumi o Banco Central, elevamos os juros em 0,5 ponto percentual na primeira reunião porque as condições exigiam. Um ministro disse que o presidente Lula ordenaria um corte na próxima oportunidade. Na reunião seguinte, elevamos os juros em 1 ponto percentual. Autoridades monetárias vivem de independência e legitimidade diante do mercado, portanto não podem hesitar.

Em fevereiro, quando o Copom elevou a Selic em um ponto percentual, escrevi que isso não apenas era necessário diante do quadro na ocasião, como era importante para o presidente do BC, Gabriel Galípolo, para demonstrar independência em relação ao governo. Galípolo era visto pelo mercado como próximo ao presidente Lula, o que poderia dificultar seu início de mandato. A gestão de Galípolo passou no teste.

Na terça-feira, quando for divulgada a ata da reunião do Copom, saberemos detalhes da decisão — acertada — de manter os juros em 15% ao ano. As razões são claras: inflação ainda acima da meta no horizonte relevante, desancoragem das expectativas e incertezas externas e internas — nessa área, a política fiscal expansionista é o problema.

Um detalhe importante é que o Copom deixou claro que o atual nível dos juros parece ser suficiente para trazer a inflação para a meta de 3% ao ano — o que significa que não há motivo para novas elevações da Selic. É um fator positivo, sinal de que a política monetária está fazendo efeito, apesar de a política fiscal atuar na direção contrária.

Caso o governo adote uma política fiscal menos expansionista, estarão dadas condições para o BC reduzir os juros. Portanto, não é a pressão política que criará essas condições econômicas favoráveis — e, sim, uma redução no gasto público, com o fortalecimento do arcabouço fiscal. Seria desastroso para todos se o BC cedesse à pressão e reduzisse os juros na marra. O prejuízo para o país seria maior e por um prazo muito mais longo do que o esforço para reduzir a inflação. Graças a nossos avanços institucionais, o Banco Central é independente e resistente a pressões.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/henrique-meirelles/receita-para-nao-reduzir-juros/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Henrique Meirelles