Para o presidente do BID, não haverá um ‘único instrumento capaz de resolver todos os problemas’; ele defende maior coordenação no acesso aos recursos disponíveis
Estadão
Para a primeira semana da COP-30, a cúpula da ONU sobre mudanças climáticas que acontece em Belém (PA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) preparou anúncios que totalizam US$ 6 bilhões (R$ 31,7 bilhões). “Focamos em várias iniciativas e instrumentos. Só do que estamos fazendo, deu US$ 6 bilhões. Se cada um fizer os seus US$ 6 bilhões, te garanto que soma bastante”, disse o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, ao Estadão/Broadcast.
O maior projeto será anunciado na sexta-feira, 14: US$ 3,4 bilhões para oferecer hedge cambial a empresas e investidores. Outro projeto que será anunciado na sexta é o Reinvestir+. Ele prevê que o BID compre projetos sustentáveis bem-sucedidos, como de energia renovável, adicione garantias a eles e os venda a investidores institucionais. São projetos com dívidas em bancos, que sairão do balanço dessas instituições financeiras. A medida fará com que os bancos tenham capacidade de financiar novos projetos “verdes” — se participarem do programa, eles serão obrigados a isso.
“Vamos remodelar as dívidas, juntar, diversificar, verificar, colocar nossas garantias de novo, dinheiro público e vender como AAA (ativos de baixíssimo risco). Ou seja, levar para os investidores institucionais algo que seja palatável para eles.”
Questionado sobre o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) — a grande aposta do governo brasileiro para essa COP —, o ex-presidente do Banco Central afirmou que “todas as iniciativas têm seu valor”. “Não haverá um único instrumento capaz de resolver todos os problemas”, disse Ilan, pontuando que alguns instrumentos terão escala, outros não.
Diante do fato de muitas dessas iniciativas acessarem os mesmos bolsos soberanos, Ilan diz que a coordenação entre elas é necessária, assim como o acesso a recursos privados.
Desde a semana passada em Belém, Ilan demonstra otimismo com a mobilização de empresas e governos nacionais e subnacionais na “direção certa” para solucionar a emergência climática. “A pergunta a ser feita é se a velocidade está certa”, afirmou.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Nos últimos dias, houve vários anúncios de medidas para alavancar o financiamento climático. Quais são os grandes desafios?
Vejo todos os esforços com bons olhos. A gente não vai ter um grande instrumento que vai resolver todos os problemas. Esse é um problema de todos os países, Estados, prefeitos. Se cada um fizer a sua parte e tiver impacto, você consegue fazer na escala suficiente. A gente focou em várias iniciativas e instrumentos. Só do que a gente está fazendo, deu US$ 6 bilhões. Se cada um fizer os seus US$ 6 bilhões, te garanto que soma bastante.
O que o sr. achou do TFFF?
Todas as iniciativas têm o seu valor. Algumas vão ter mais escala, outras menos. O importante é inovar e tentar trazer o setor privado para dentro, com a gente (BID) colocando dinheiro só para garantir o risco.
Acha que haverá demanda pelos títulos que o TFFF vai emitir?
A gente vai saber. Não é o BID quem está fazendo isso. Posso dizer que dou força para todas as iniciativas que existem. E nós estamos fazendo a nossa contribuição. Não acho US$ 6 bilhões pouca coisa.
Vendo os anúncios que saíram até agora, a impressão é que são os mesmos bolsos de sempre.
O pouco bolso é porque os recursos públicos do mundo todo estão limitados. Não vejo sobra. Os países em desenvolvimento, que têm milhões de necessidades, estão com dívidas e problemas fiscais. Alguns menos, outros mais. Os desenvolvidos estão com questões de defesa, guerras. Por isso, a gente está enfatizando duas coisas. Uma: coordenação. Vamos trabalhar em parceria para juntar forças. Dois, vamos juntar forças para trazer para o setor privado. O setor privado tem recurso disponível. Ele só não está alocado nas prioridades que queremos. Os investidores institucionais — as grandes seguradoras e os grandes fundos de pensão do mundo — poupam para, se acaso acontecer alguma coisa, estarem cobertos. Essa poupança busca estabilidade e pouco risco. Como é que a gente atrai esse dinheiro para proteger a Amazônia, para projetos de adaptação, de resiliência? Estamos tentando transferir projetos que precisamos para instituições, porque, no final, as pessoas querem mais previsibilidade.
Esses projetos têm um risco maior, não?
Exatamente isso que a gente vai anunciar amanhã (sexta-feira, 14). Projetos de resiliência e adaptação não são fáceis. Mas, olhando o balanço das instituições locais, de bancos e fundos, já existe uma quantidade de empréstimos e de projetos que deram certo, que estão no terceiro ano e estão funcionando. Projetos de energia renovável, por exemplo. Quantificamos isso. São US$ 500 bilhões em projetos na América Latina e no Caribe. A gente precisa comprar esses empréstimos que estão performando e remodelar. O que é remodelar? Trazer (os projetos) de vários bancos, juntar, diversificar, verificar, colocar nossas garantias de novo, dinheiro público e vender como AAA (investimento de baixo risco). Ou seja, levar para os investidores institucionais algo que seja palatável para eles. Isso é o que a gente chama de Reinvestir+. Uma vez que você tira esses US$ 500 bilhões do balanço deles (dos bancos), eles podem se comprometer a financiar outros US$ 500 bilhões.
Esse vai ser o valor do projeto?
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Da mesma forma que o dinheiro público é limitado, as nossas garantias também são. Estamos tentando atrair parceiros privados e, aí, vamos ter um número para anunciar sobre essas garantias. Não vamos ter esse número amanhã. Mas vamos anunciar como vamos trabalhar. Já estamos recebendo propostas de grandes bancos internacionais para trabalhar com a gente.
Sobre o ‘Amazônia Para Todos’ (conjunto de produtos destinados a investidores privados de grande porte e também para o público em geral), tem sentido demanda por esse tipo de ativo no mercado?
Ainda não chegamos na demanda. O que vejo é o interesse gigante do Banco do Brasil, da Caixa, do BNDES, de poder chegar no varejo. Estamos trazendo inovações para podermos escalar mais. Normalmente, a gente pede dinheiro para a Amazônia dos grandes investidores, dos grandes países. Mas será que conseguimos chegar no varejo? No pequeno? Essa é a ideia da “Amazônia Para Todos”. É vender um pouco os nossos projetos. O cidadão na rua não vai fazer um projeto. Ele não tem proximidade. Mas pegar todos os nossos projetos, colocar na Bolsa e vender cotas de R$ 100, isso a gente consegue fazer.
Ou seja, atingir a média renda.
Exatamente. Quem consegue colocar R$ 100 é capaz de participar desse esforço e se sentir contribuindo com essa causa. Porque muita gente tem essa vontade, e essa seria uma forma de ajudar participando em projetos que olhamos, que nós (instituições participantes) tomamos as decisões.
Mas e as taxas de retorno?
Vai ser a taxa de retorno que os nossos projetos dão. Nossos projetos dão taxa de retorno razoável. Eu não estou para fazer retornos altíssimos. Eu estou para que possamos ter um retorno positivo para poder continuar.
Nesse caso, pode não ser atrativo, dado que o investidor consegue retornos de 15% em outros investimentos.
O varejo nesse negócio tem de entrar um pouco pela causa (socioambiental).
Dada a postura do presidente Donald Trump contra o ESG, os Estados Unidos têm atrapalhado no financiamento climático?
Vejo que nas questões principais há consenso. Por exemplo, desastres naturais. Só na América Latina e no Caribe, tivemos 70 desastres naturais no ano passado. Custaram US$ 10 bilhões. Todo mundo sabe que os desastres naturais são um problema e todo mundo quer participar da solução. Acho que está todo mundo na direção certa e caminhando. A questão que se coloca é se estamos na velocidade certa ou não. Essa é a dúvida. Mas acho que as coisas estão andando.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-ilan-goldfajn-bid-cop-30-velocidade-certa-crise-climatica/
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