Brazil Journal
A segurança pública no Brasil deixou de ser apenas um desafio — tornou-se um condicionante do próprio funcionamento da vida social, com efeitos que chegam até a agenda climática.
Enfrentá-la requer não só ação estatal, mas também uma sociedade civil disposta a participar desse debate.
É nessa condição — a de um cidadão que acompanha e discute políticas públicas, ainda que não seja especialista em segurança — que se insere a reflexão a seguir.
O debate brasileiro sobre segurança pública insiste numa falsa dicotomia: ou a utilização de força de maneira isolada, ou políticas sociais como foco primordial, sem responsabilização individual adequada. Essa leitura reducionista de um problema multifacetado precisa ser revista, e as lições da experiência internacional podem contribuir para essa revisão.
A Itália talvez seja o exemplo mais consistente de enfrentamento de estruturas criminosas maduras.
Máfias prosperaram onde o Estado se retirou: serviços básicos, proteção, crédito, mediação de conflitos, influência local. Como lembra Cristina Pinotti, que tem sido uma das vozes mais claras e propositivas nesse tema, os avanços só vieram quando investigação técnica, punição às estruturas mafiosas, combate à infiltração econômica e políticas sociais no Sul passaram a operar de forma integrada.
Nenhum desses elementos teria funcionado sozinho — e mesmo juntos não eliminaram o problema, apenas o tornaram administrável.
No Japão, a história mostra que a Yakuza se fortaleceu justamente nas zonas cinzentas do ordenamento jurídico, onde não era proibida nem legitimada. Quando o Estado decidiu agir, já enfrentava organizações profissionalizadas e capazes de migrar para atividades menos visíveis. A reação reduziu sua exposição pública, mas não apagou suas raízes — um lembrete de que omissões prolongadas cobram seu preço.
O Reino Unido seguiu outro caminho: punição clara como mecanismo de dissuasão, combinada com políticas sociais que ofereciam alternativas reais fora da criminalidade. Era o reconhecimento de que o comportamento criminal envolve contexto social, mas também escolhas individuais. Os resultados foram parciais, mas consistentes — e, em segurança pública, avanços consistentes fazem diferença.
México e Colômbia, por sua vez, são advertências eloquentes. O México expõe os limites da militarização desacompanhada de políticas sociais e de coordenação institucional. A Colômbia mostra o custo de enfrentar múltiplos atores armados com estratégias parciais e pouco integradas.
Essas experiências ajudam a organizar o debate brasileiro de forma concreta. O que elas mostram, em essência, é que combater o crime organizado é sempre um processo, nunca uma solução pronta. Itália, Japão e Reino Unido demonstram que estratégias equilibradas reduzem danos, contêm a expansão de grupos criminosos e recuperam previsibilidade institucional. México e Colômbia, por outro lado, revelam os riscos de respostas desequilibradas e de omissões prolongadas.
Responder à insegurança pública e ao crime organizado exige duas frentes complementares. A primeira é a punição capaz de produzir dissuasão — reconhecendo que a entrada no crime envolve também decisões individuais — apoiada pelo uso eficiente de inteligência e por uma reocupação territorial que restabeleça a capacidade de proteção e provisão de serviços públicos pelo Estado.
A segunda é o conjunto de políticas sociais que reduza vulnerabilidades concretas – da falta de educação e oportunidades à fragilidade aguda dos serviços públicos.
Ignorar essa dupla dimensão produz respostas incompletas – e frequentemente ineficazes. A segurança pública não virá de uma única via, mas de um conjunto de escolhas que o País ainda precisa assumir.
Link da publicação: https://braziljournal.com/opiniao-seguranca-publica-licoes-da-experiencia-internacional/
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