Artigos

Vale-tudo

Estadão

Haddad não percebe as consequências absurdas de suas afirmações

Muito embora Fernando Haddad tenha indicado sete dos atuais nove diretores do BC, inclusive seu presidente (a propósito, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda), não perde a chance de abrir novas frentes de conflito com a instituição.

Após declarar que votaria pela redução da Selic numa reunião hipotética do Copom, enquanto na de verdade os diretores decidiram mantê-la, afirmou, em entrevista a este jornal, que uma (não menos hipotética) redução da Selic em 3 pontos percentuais, de 15% para 12% ao ano, “rodada” segundo ele em “modelos respeitados pelo mercado”, elevaria a inflação em apenas 0,2 ponto percentual, de 3,1% para 3,3%.

Tem jeito e cara de lorota. Mas, mesmo deixando de lado a possibilidade de ser mais um daqueles fatos que só ocorreram na imaginação do pescador, quer dizer, do ministro, me parece que Haddad não atentou para algumas das consequências lógicas da sua fala, que enfraquecem seu próprio argumento.

A primeira, óbvia, é o impacto da suposta (ou imaginada) alteração da Selic: a inflação ficaria mais distante, não mais próxima, da meta, o que já deveria desqualificar a proposta.

É bem verdade que a elevação da projeção de inflação, a acreditarmos na história, ou, diriam os antigos, estória, seria modesta, apenas 0,2 pp, o que poderia motivar aqueles menos comprometidos com a missão institucional do BC, por exemplo, o ministro da Fazenda, a sugerir “deixa para lá, é tão pouquinho…”

Isto nos traz à segunda consequência impensada. Como a projeção mais recente do BC aponta para inflação de 3,3% em seu horizonte relevante, o respeitado modelo do ministro sugeriria que, para trazê-la à meta, 3,0%, o Copom deveria elevar a Selic em 4,5 pontos percentuais.

Obviamente ninguém acredita que a Selic teria que atingir 19,5% ao ano para que a projeção de inflação convergisse à meta, muito embora seja, como afirmamos, decorrência direta do “raciocínio” ministerial.

O problema é que a sensibilidade da projeção da inflação à taxa de juros é muito maior do que supõe a fantasia ministerial. Segundo o modelo do BC, um corte de 3 pontos percentuais na Selic elevaria a inflação em cerca de 0,75 ponto percentual, quase 4 vezes mais do que o número do “respeitado” modelo.

Sim, sou grandinho o bastante para saber que modelos têm suas limitações. Já Haddad parece não perceber que, caso seu hipotético modelo fosse verdadeiro, a política monetária seria impraticável no Brasil, apesar de mais de 25 anos do regime de metas.

Um tiquinho de senso crítico faz muita falta. Muita mesmo.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/vale-tudo-haddad-nao-percebe-as-consequencias-absurdas-de-suas-afirmacoes/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman