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Brasil – a construção do futuro

Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Estadão

O mundo anda de ponta-cabeça. Isso não deveria, entretanto, dar ao Brasil o direito ou a desculpa de navegar sem um destino mais claro. Não com fronteiras de baixo risco, natureza pródiga, pretensões hegemônicas inexistentes, valiosa criatividade.

Ainda assim, seguimos não perdendo a oportunidade de perder oportunidades, uma sociedade complacente que poucas vezes sabe dizer basta e que se coloca pacificamente nas mãos de dirigentes, cada vez com mais raras exceções, inapetentes para o tamanho do desafio.

Entre tantos desafios, nosso próximo presidente precisará, desde seu primeiro dia, se ocupar de fugir da ardilosa recorrência do curto prazo e enfrentar com atitude e altitude, educação, segurança, produtividade e desenvolvimento, condições que dependem do setor público e privado trabalhando juntos. O risco, como já se nota claramente, é ceder apenas ao fundamental, mas ardiloso, pois captura o futuro, curtoprazismo e que desta vez sim terá enorme peso na herança maldita ancorada no mal enfrentado problema fiscal. Junta-se a política miúda de nomes, fofocas, demagogias e polarizações.

Na esteira, até surgirem ajustes consistentes e confiáveis, suportaremos a vergonha diante da convivência com a maior taxa de juros real do mundo por mais de 40 anos e que farão a dívida pública continuar ascendendo, armadilha recorrente enquanto maiores que a taxa de crescimento da economia. Juros cujo pagamento já representa 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para as contas públicas, acentuando o declínio da capacidade de investimento, perdida desde o início dos anos 80 e a manutenção do círculo vicioso de menor produtividade e competitividade global. Atualmente, nossos representantes, apesar de no discurso condenarem essa chaga, dão de ombros para a causa econômica do problema, o acelerado crescimento dos gastos públicos.

E como causa ou consequência, há a piora nítida de nossas instituições, no setor público, sem qualquer dúvida, mas espraiada por toda a nação.

Ou seja, patinação em gelo fino.

O Brasil, quando representado pelos seus dirigentes públicos, parece que não aprende, dialoga mal e guardou há tempos a empatia no quarto dos fundos da democracia. Não quer resolver as demandas reais da sociedade, mesmo as básicas como morar, acessar saneamento, comer, locomover-se, trabalhar e educar. Não aceita o desafio da inserção global quando, paradoxalmente, é vítima da concorrência do mundo todo, mas mantém a expectativa e a desinformação aos mais pobres, de que o Estado os protegerá e sustentará incondicionalmente.

Sem crescimento, não há como alcançar uma dimensão adequada de autonomia de renda da população, hoje assistida por inúmeras e muitas vezes necessárias políticas sociais. Precisamos definir a forma de o setor produtivo avançar no tema da inovação e ganhar velocidade e oferta interna e externa a preços competitivos. Libertar, assim, espaço para emprego e empreendedorismo.

Por que o vocábulo produtividade desapareceu da formulação da nossa política econômica? Como se insere o Brasil diante da necessidade, segundo o Independent High-Level Expert Group on Climate Finance, que assessora as Presidências da COP desde 2021, de investimentos de US$ 3,2 trilhões por ano até 2035 para enfrentar o tema emergencial do clima e meio ambiente, que diz muito a nosso respeito? É certo que temos uma matriz energética diferenciada e somos reconhecidos como o País dos biocombustíveis, mas o que fazer com isso, de fato, em especial diante da necessidade de descarbonização da economia? Conscientização dos riscos e oportunidades, identificação das fontes de recursos financeiros, enfrentamento à falta de ousadia dos países?

Freud afirmava que o início da solução de um problema é quando assumimos que existe um problema. No Brasil sem projeto de hoje, há desculpas e argumentos para tudo. Faltam, contudo, o planejamento, as ideias mobilizadoras, a governança, a transparência, a cobrança. Falta vontade para tratar do endividamento público por meio de corte de gastos e o enfrentamento dos poderosos grupos de pressão, sempre ancorados em tarifas elevadas, crédito subsidiado, regimes especiais e desonerações seletivas sem contrapartidas. Já é passada a hora de encarar a abertura da economia, no sentido amplo, interno e externo, como solução, e não como ameaça.

Nenhum governo admite que tomou o caminho errado na administração das contas públicas e todos cedem à tentação de usar o poder atual para garantir o poder futuro. Um projeto para o País, formulado a partir de múltiplas boas iniciativas da sociedade organizada, é o elemento que nos falta para podermos compartilhar o sonho comum, que poderá unir a grande maioria dos brasileiros.

Não há que se olhar copos meio cheios ou meio vazios, o que apenas faz do debate um conflito ardente e inútil. Trata-se de construir uma agenda consistente, independente de ideologias, que coloque no centro o cidadão e o desenvolvimento que a este criará oportunidades. E escolher certo a liderança. Todos e quaisquer assuntos cabem num país que sabe com que, por, e para onde quer seguir. Não é o caso ainda, e infelizmente, do Brasil.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/brasil-a-construcao-do-futuro/

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Sobre o autor

Pedro Passos