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Resposta a uma crítica

Folha

Sandro Andrade, professor associado da Universidade de Miami, contestou a minha coluna de 15 de novembro, em que eu afirmei que os juros elevados são sinal de excesso de demanda sobre a oferta.

O argumento de Sandro tem três partes. Primeiro, que o PIB potencial da economia —o máximo que a economia pode produzir sem pressionar a base de recursos da economia— tem problemas de mensuração. Dada a dificuldade de mensurar corretamente o produto potencial, ou o produto a pleno emprego da economia, a medida de hiato de recursos —que é a medida de excesso de demanda sobre a oferta— também tem problemas de mensuração.

A segunda parte do argumento é que erros de mensuração no PIB potencial podem gerar um equilíbrio de expectativas autorrealizáveis. Isto é, todos pensam e se comportam como se o potencial de crescimento da economia fosse menor do que de fato é, e, portanto, o potencial realizado acaba sendo menor.

A terceira parte do argumento alega que a evidência de que há aceleração da inflação quando o hiato é positivo não é convincente, pois a aceleração da inflação pode ser fruto do câmbio, dos preços administrados ou das expectativas de inflação.

O argumento de Sandro é logicamente correto. O tema é outro: ele faz sentido empírico?

A primeira parte do argumento encerra uma trivialidade. Qualquer metodologia de mensuração de uma variável que não é diretamente observada tem limitações metodológicas e apresentará erros. Nada de novo aqui.

A segunda parte do argumento não passa em um teste empírico bem simples. Será que há de fato no Brasil esse pessimismo de expectativas autorrealizáveis? Comparei, para os anos de 1999 até 2020, a expectativa Focus em dezembro de cada ano para o crescimento da economia brasileira nos quatro anos subsequentes. Do total de 84 previsões —quatro previsões para cada um dos 21 anos entre 1999 e 2020—, em 46 delas o mercado foi mais otimista, e em 38, mais pessimista. Não há, portanto, no Focus, um pessimismo com o crescimento futuro da economia brasileira.

Finalmente, o argumento de que a elevação da inflação não é necessariamente sinal de excesso de demanda sobre a oferta e que câmbio, preços administrados e expectativas interferem na dinâmica inflacionária é amplamente conhecido. Estranho esse argumento. A equação básica empregada para descrever a dinâmica de inflação leva em consideração, além do hiato de recursos, a inércia, as expectativas, o câmbio e os preços administrados.

Finalmente, os analistas empregam um conjunto imenso de outras medidas de inflação para contornar essa dificuldade. Trabalha-se com núcleos: por exclusão; de médias aparadas, com e sem suavização; de dupla ponderação; somente com os serviços; somente com os preços livres; etc. Nenhuma dessas medidas é perfeita. Mas o conjunto delas produz um bom diagnóstico da natureza da aceleração do processo inflacionário.

Minha leitura sempre foi fundamentalista. Creio que os fundamentos da economia brasileira —forma de funcionamento de previdência, o aumento do salário mínimo em velocidade muito maior do que o crescimento da produtividade do trabalho, o aumento do gasto público primário em excesso ao crescimento da economia etc.— explicam os juros elevados entre nós.

Sandro, se entendi corretamente, considera que os juros elevados por aqui resultam não dos fundamentos mas sim de um equilíbrio de expectativas autorrealizáveis. Em vez de criticar o diagnóstico fundamentalista, seria legal que ele escrevesse um paper com o seu diagnóstico. Estou pronto para ser convencido de que meu diagnóstico está errado.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/12/resposta-a-uma-critica.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa