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Um péssimo aperitivo

Folha

Na última reunião ministerial do ano, o presidente Lula afirmou que “não tem macroeconomia, não tem câmbio: se tiver dinheiro na mão do povo, está resolvido o nosso problema. Está resolvido o problema da industrialização, está resolvido o problema do consumo, está resolvido o problema da agricultura, está resolvido o problema da inflação”.

É impossível, ao ouvir essa mensagem, não se lembrar do conselho que o então presidente da Argentina, Juan Domingos Perón, escreveu em carta ao presidente do Chile, Carlos Ibañez del Campo, em 1953: “Dê ao povo, especialmente aos trabalhadores, tudo o que puder. Quando achar que está dando muito, dê mais. Você verá o efeito. Todos tentarão assustá-lo com o fantasma da economia. É tudo mentira. Não há nada mais elástico do que essa economia que todos temem tanto porque não a conhecem”.

Após 1953, a Argentina seguiu essa estratégia por 70 anos. Os resultados foram muito ruins.

Lula encontra-se em campanha. Seu ministro da Fazenda já anunciou que deixará o governo. Nada mais virá da agenda econômica no atual mandato. Na fala na reunião, Lula estabeleceu, aparentemente, o tom da campanha.

Lula em 2026 será o incumbente. Ele concorrerá à reeleição. É impossível não nos lembrarmos da campanha de 2014, último ano eleitoral com um governo do PT. Naquela oportunidade, a escolha da presidente Dilma foi exagerar nas promessas e no gasto público para viabilizar a reeleição. Em estudos que fiz com colegas, mostramos que Dilma gastou, para se reeleger, mais do que Bolsonaro em 2022. O resultado não foi bom.

dívida pública crescerá, no terceiro mandato de Lula, 10% do PIB. Tivemos quatro anos de juros muito elevados. Não por erro do BC, muito pelo contrário. O BC bem que tentou reduzir os juros entre agosto de 2023 e maio de 2024. Teve de abortar o ciclo de queda e, já em setembro de 2024, reiniciar um ciclo de elevação. O impacto da política fiscal sobre a demanda agregada tem obrigado o BC a manter os juros elevados.

Há hoje muita dúvida sobre a política econômica de um quarto mandato de Lula. Se considerarmos a fala de Lula, ele pretende elevar a dívida pública em outros 10% do PIB ou ainda mais.

Sempre quando lhe é perguntado sobre o equilíbrio fiscal, Lula alega que tem um desempenho muito bom. Que não entende o motivo de haver tantas dúvidas. O motivo para termos muitas dúvidas quanto à estabilidade fiscal em um possível quarto mandato segue de dados produzidos pelo próprio Ministério da Fazenda.

Recentemente, a SPE (Secretaria de Política Econômica), liderada pelo economista Guilherme Mello, divulgou uma nova série da evolução do superávit estrutural do governo central. O superávit estrutural do governo central é a diferença entre receitas e despesas do Tesouro Nacional, após retirarmos as parcelas não recorrente e cíclica da receita e da despesa.

O fato é que o desempenho fiscal de Lula é muito ruim. Entre 2004 e 2010, o superávit fiscal estrutural do governo central, segundo o quinto gráfico da nota técnica da SPE, reduziu-se de 2,8% do PIB para 0,5% do PIB, uma piora fiscal da ordem de 2,3% do PIB.

Lula fiscalmente responsável é, infelizmente, uma miragem.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/12/um-pessimo-aperitivo.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa