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Veredas nas finanças do clima

Valor

A COP 27 não trouxe grandes acordos, estando afastada uma data para se encerrar o uso do carvão na geração de energia. O fundo de compensação por perdas e danos decorrentes da mudança climática desenhado no Egito está limitado a alguns países e não tem recursos definidos. Talvez a principal novidade tenha sido a proposta da delegação americana de as grandes empresas comprarem mais créditos de carbono.

A proposta americana foi recebida com cautela, apesar de ela visar baixar o custo da transição energética, aproveitando os ganhos típicos do comércio, nesse caso de créditos de carbono. Ao focar em créditos associados ao carvão, ela não promove diretamente o financiamento da preservação das florestas tropicais, mas aviva a discussão do assunto.

Mercado global de créditos de CO2 e de bonds focados na proteção da floresta podem ser chave para a Amazônia

Há ambientalistas que temem que o comércio de créditos de carbono retarde a transição energética, permitindo aos grandes emissores um ajuste mais lento e desestimulando o avanço tecnológico. Essa é uma hipótese a ser testada, mas há mérito em diminuir logo as emissões, ao menor custo possível e dando tempo para as novas tecnologias se firmarem e as cadeias de suprimento para viabilizá-las se organizarem de maneira justa e atenta a riscos ambientais e sociais. Até porque os consumidores estão sensíveis ao preço das coisas e os recursos públicos para o clima andam escassos.

Créditos de carbono de qualidade têm sido considerados especialmente para compensar as emissões de escopo 3, isto é, aquelas associadas ao carbono emitido pelo consumidor final ou por terceiros na cadeia de valor da empresa. Empresas petroleiras comprarem, por um período limitado, créditos de carbono lastreados em emissões evitadas pelo menor uso do carvão poderia, por exemplo, custar menos ao motorista americano ou europeu do que a transição acelerada da frota veicular. O fluxo financeiro gerado pela compra poderia ajudar a amortecer o impacto social e econômico do fechamento de termoelétricas e minas de carvão em países como a Índia.

Esse tipo de duplo ganho ocorreria também na compra de créditos originários da preservação da floresta ou do reflorestamento. Essa compra geraria, se observadas as devidas salvaguardas, recursos para melhorar agora a vida das populações guardiãs das matas tropicais.

Um caminho distinto é exigir que as empresas reduzam suas próprias emissões de acordo com uma meta estabelecida pelo governo. Essa é a estratégia da União Europeia (UE), que estabeleceu uma trajetória para as emissões totais e distribui permissões de emitir (créditos) para diferentes setores, de acordo com a avaliação da capacidade de cada um deles cumprirem o teto de CO2 estabelecido. As empresas acima do teto são penalizadas, salvo se comprarem créditos de carbono de empresas que tenham ficado abaixo dele. O mercado onde essa compra se dá e onde a tonelada de CO2 custa perto de US$ 100 de modo geral exclui créditos de fora da UE.

A distribuição gratuita de créditos pela UE às empresas deve acabar, enquanto residências e o transporte deverão ir para debaixo do teto, assim como indústrias de fora da Europa. Essa última inclusão se dará através de uma sobretaxa na importação de bens cuja pegada de carbono exceda o teto da UE. A venda de permissões oficiais e a cobrança dessa sobretaxa poderão subsidiar pesquisas e investimentos na Europa, mas não há previsão de drenar parte desses fluxos para um fundo que irrigue as tentativas de reduzir as emissões nos países mais pobres.

A busca de financiamento para cortar emissões em países pobres na ausência de um mercado de carbono voluntário e de maior financiamento privado tem despertado novo interesse pelos bancos de desenvolvimento e FMI. É pouca a expectativa, no entanto, de grandes aumentos de capital nos bancos multilaterais tradicionais no curto prazo, dados os desafios orçamentários dos seus principais acionistas e alguns impasses na sua governança.

O G20 tem, assim, estimulado maior alavancagem desses bancos para financiar a baixa das emissões. O maior obstáculo a essa alternativa é ela talvez elevar o custo dos empréstimos dos bancos multilaterais, afugentando os melhores tomadores e aumentando o prêmio cobrado dos tomadores mais frágeis.

Diante dos limites dos bancos de desenvolvimento, a ideia de emitir mais direitos especiais de saque (DES), a moeda do FMI, tem ganhado destaque. Especialmente depois da recente emissão de US$ 650 bilhões desses direitos para ajudar numerosos países a financiar a importação de equipamentos e vacinas durante a covid.

O entusiasmo com os DES pode, no entanto, ser moderado por alguns motivos. Os DES só têm valor se convertidos em moedas fortes, e essa conversão pode ser globalmente inflacionária. Além disso, quando um país saca seus DES para convertê-los, ele passa a pagar juros para o FMI numa taxa que reflete aquelas das moedas que compõem o DES. Essa taxa já está perto de 3% ao ano, podendo se aproximar de 4% se os principais bancos centrais caminharem para onde sinalizam.

Assim, mesmo que os novos DES sejam distribuídos em proporção ao custo de descarbonização de cada país e não ao seu PIB e fluxo de comércio, o financiamento das ações climáticas não será gratuito para a maioria. A não ser que países com muitos DES cedam alguns deles para os com maior necessidade. Finalmente, países que precisam de autorização legislativa para apoiar a emissão de DES – que têm natureza para-fiscal – podem resistir a uma iniciativa dessas.

Felizmente, a transição energética no Brasil não dependerá desses esquemas, se acoplarmos os biocombustíveis à tração elétrica veicular, a regulação do setor elétrico for adequada e dermos segurança ao investimento privado. Já, um mercado global de créditos de carbono e de bonds focados na proteção da floresta podem ser chave para a Amazônia.

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O ano está acabando sem sabermos o desfecho da guerra na Ucrânia. Mas talvez valha lembrar que, se a identidade russa se forjou desde Nevsky na exitosa defesa do seu território, por vezes o insucesso militar no exterior, como na Moldávia nos 1850s, em Tsushima e no Afeganistão, foi seguido de importantes reformas liberalizantes.

Feliz 2023!

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/veredas-nas-financas-do-clima.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Joaquim Levy