Economista afirma que o debate deveria ser o quanto a autoridade monetária poderia subir a taxa Selic
Estadão
Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, não se sente mais desafiado intelectualmente em relação à conjuntura econômica brasileira.
Para ele, o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva faz uma retrospectiva do governo Dilma Roussef (2011 a 2016). “Não é mais uma questão de raciocínio, é uma questão de memória. Não somos desafiados a pensar em problemas novos. Meu único desafio agora é ver se consigo resistir à decadência da memória e lembrar o que eu consigo do governo Dilma, porque estamos indo para o mesmo caminho”, diz.
Ele ressalta que o País está em um momento “inédito” de aumento de gasto público, com exceção da elevação de gastos que ocorreu durante a pandemia do coronavírus. E as contrapartidas, propostas pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT), seriam quase que ineficientes para frear o descontrole.
Na segunda semana de janeiro, Haddad anunciou um pacote econômico para ajustar as contas públicas e lidar com um déficit de R$ 231,5 bilhões no orçamento. Entre as principais medidas para endireitar as contas públicas estava o Litígio Zero, programa de renegociação de dívidas tributária semelhante aos antigos Refis.
“É um pacote de um amadorismo de ruborizar qualquer um que entenda a situação”, afirma Schwartsman. “Sabe quando o Paulo Guedes entrou e falou que acabaria com o déficit em um ano? É o padrão de falta de noção.”
E-Investidor – Como o Sr. avalia o primeiro mês do governo Lula?
Alexandre Schwartsman – Surpreendeu aqueles que realmente queriam ser surpreendidos, o pessoal que apostou que seria um replay em larga escala do que foi o primeiro governo Lula, com pragmatismo, uma política fiscal responsável.
O que vimos foi o anunciado ao longo da campanha. A ideia de que “gasto é vida” sendo ressuscitada. Estamos em um momento praticamente inédito do gasto, exceto pelo o que aconteceu em 2020 por conta da pandemia. Há más ideias sendo circuladas. A mais gritante delas é a de alterar a meta de inflação e outras mais exóticas, como a criação de uma moeda comum com a Argentina.
Por que a ideia de moeda comum de Brasil e Argentina soa tão absurda?
Schwartsman – Ela soa absurda porque ela é. Por que a Argentina quer a moeda única? Porque o país têm uma escassez permanente de dólares. É tão simples quanto isso.
Em particular, o Brasil tem um peso enorme para eles. Cerca de 20% das importações argentinas são do Brasil e 15% do que eles exportam vem pra cá. Se eles conseguissem não gastar os dólares dela para comprar do Brasil, seria o melhor dos mundos. Argentina, no quesito de comércio internacional, não chega a ser irrelevante, mas não é muito importante.
Mas qual seria o efeito prático dessa ideia?
Schwartsman – O Brasil acumularia créditos com a Argentina e passaria a se tornar credor de um país que tem notoriamente dificuldades em pagar suas contas.
O exportador brasileiro que recebesse essa moeda não teria o que fazer com ela. Nós exportamos mais do que importamos, então sobra. Quem é que vai comprar esse negócio? Vai para o Banco Central. O Banco Central vai passar a ser credor da Argentina com um montante de alguns bilhões de dólares por ano.
Ou seja, passamos a tomar um risco de crédito na Argentina sem nada muito grande em troca. Mesmo se nós conseguíssemos aumentar muito as exportações brasileiras para o país, isso faria uma diferença ridícula. Não tem nenhum sentido, é puramente um subsídio para a Argentina. A proposta do governo é fazer caridade com o dinheiro alheio.
O “sonho do mercado” de ter um governo como Lula I morreu?
Schwartsman – Se não morreu, é bom que morra. Não faltam indicações de que não será desta forma porque as condições iniciais eram muito diferentes. Em 2003, Lula recebeu a casa em ordem, com as contas públicas redondas.
Foi só não fazer a bobagem que o câmbio voltou e a inflação, que estava alta, caiu. Lá ele fez uma equipe econômica pra lá de ortodoxa. Agora, não. Para colocar a casa em ordem ele vai ter que trabalhar muito. Quem quiser continuar sonhando vai acordar e descobrir que não é nada daquilo que se imaginava.
Tendo em vista o aumento do risco fiscal, quais deveriam ser os próximos passos do Banco Central com a Selic?
Schwartsman – Estamos falando do maior aumento de déficit público da história do Brasil, exceto pelo que aconteceu em 2020, com a pandemia. A economia está com uma inflação subjacente (que desconsidera choques temporários) alta, temos um mercado de trabalho muito mais apertado do que em 2020. E nesse contexto, você joga um caminhão de demanda na economia.
Não tem o menor espaço para o Banco Central cortar juros. O debate poderia ser, inclusive, quanto de juros o Banco Central teria que subir, o que eu acho que não vai acontecer. Estamos caminhando para uma inflação na casa de 6% ou mais para esse ano. Provavelmente, teremos uma inflação também acima da meta em 2024. Como cortar juros em 2023? Não tem a menor condição.
Então a renda fixa vai ter mais um ano como protagonista dos investimentos?
Schwartsman – Você está sendo otimista falando de apenas mais um ano. Vamos conviver com um juro bastante atraente durante muito tempo. O rentista não tem com que se preocupar, o governo Lula vai fazer a parte dele.
Nesse contexto, qual o peso em ter um Banco Central independente?
Schwartsman – Particularmente à luz das declarações do Lula, é importantíssimo. Já vimos exatamente o que aconteceu quando não tínhamos um Banco Central independente, como no governo Dilma.
O Banco Central se curvou às imposições da presidente da República e perdemos o controle da inflação. Para segurar a inflação na meta, controlou preço de combustível, energia e até passagem de ônibus entrou na dança. Tudo para manter a inflação na meta por meio do controle direto de preços.
Lá na frente, explodiu. E tudo o que o BC não fez nos anos anteriores ele teve que fazer em 2015.
Diga-se de passagem que já foi importante antes. Vamos lembrar do que aconteceu com a política fiscal no final do governo Bolsonaro, com o governo enfiando o pé no acelerador do gasto, o que podia muito bem continuar caso ele tivesse sido eleito.
Mas o Banco Central manteve a política monetária provavelmente com outros interesses, diferentes daqueles de Bolsonaro, que provavelmente gostaria de um juros mais baixo que desse um gás adicional na economia e ele pudesse ganhar a eleição.
O presidente Lula já questionou o motivo de a Selic estar a 13,75%, se a inflação está em 5,8%. Ele dá a entender que o juro real deveria ser menor. Isso é compatível com a realidade?
Schwartsman – A pergunta é muito simples: com essa taxa real de juros, a inflação converge para a meta? Este ano, não. Ano que vem, talvez. Ela fica abaixo da meta? Não.
Não parece que está muito alto. Se estivesse, estaríamos discutindo inflação muito abaixo da meta. Não acho que a inflação estará na meta nem em 2024. Ainda bem que o Lula não é diretor do Banco Central.
O investidor estrangeiro está preocupado com uma nova gestão no Brasil?
Schwartsman – O investidor estrangeiro não está preocupado. Não está dentro do radar ‘apoiar’ ou ‘desapoioar’ o Lula. Dito isso, há uma certa dicotomia. Quem está aqui tem talvez uma visão mais negativa. Já pessoa que está lá fora pode ter uma visão mais benigna.
A principal diferença é que o estrangeiro que investe no Brasil tem apenas uma fração da sua carteira aqui. O brasileiro, se não tiver 100% do seu portfólio investido no mercado doméstico, tem 90% ou 95%. A tolerância a risco associado a Brasil é muito menor no investidor local do que no estrangeiro.
Quem tem várias coisas no seu portfólio pode se dar ao luxo de tomar mais risco do que o operador brasileiro, que está com todos os ovos na mesma cesta. Não tem muito como escapar disso. Não se trata de apoiar, para o estrangeiro essa é uma questão menor do que para o nacional.
A nova âncora fiscal te preocupa?
Schwartsman – Não perco 30 segundos pensando nisso. E quem acreditar em um negócio desses, merece perder dinheiro.
Por quê?
Schwartsman – Só existem duas situações possíveis para esse novo arcabouço fiscal. Uma delas é ele não ter a menor relevância e não conter gastos. Ser tão frouxo que não vai fazer a menor diferença, sem nenhum mecanismo que controle a questão do gasto público no Brasil.
A segunda alternativa é que ele tenha, sim, mecanismos que contenham a evolução do gasto público no Brasil. O que vai acontecer com um mecanismo que seja efetivo em controle quando ele bater de frente com a necessidade do governo de expandir seus gastos? Ele vai para o saco.
Acompanho o Brasil há anos e nós criamos vários mecanismos para dar o mínimo de sustentabilidade para as contas públicas. Criamos a Lei de Responsabilidade Fiscal, criamos uma regra de ouro, metas de superávit primário e até o teto de gastos foi colocado na Constituição.
E o que aconteceu em todos eles? Sempre que a restrição aos gastos limitou de alguma forma o interesse político do governo de plantão, essa restrição aos gastos foi formal ou informalmente deixada de lado. Vimos o governo Dilma fajutar a conta pública, o governo Bolsonaro repetidas vezes alterar o teto de gastos e o governo Lula, agora, também. Mais uma vez a gente fez uma maracutaia, porque essa tem sido a dinâmica.
Link da publicação: https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/alexandre-schwartsman-bc-cortar-taxa-selic/?amp
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