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Agentes racionais e inflação

Estadão

Em 25 de dezembro de 2021 foi lançado ao espaço o telescópio James Webb. A previsão era de que em 24 de janeiro de 2022 ele atingiria o ponto Lagrange 2, no qual mantém uma posição estacionária em relação à Terra e ao Sol, e exatamente no dia previsto chegou ao ponto planejado. Tal grau de precisão somente é possível porque o que está envolvido na otimização de resultados com base nos modelos da física é um “jogo contra a natureza”, que aceita as decisões dos cientistas, sem qualquer reação.

No início desta semana morreu o professor Robert Lucas Jr., que em 1995 ganhou o Prêmio Nobel em economia. Um de seus inúmeros e valiosos ensinamentos é que o planejamento econômico não é um jogo contra a natureza, mas um jogo contra agentes econômicos racionais, cujas decisões dependem dos valores futuros esperados das variáveis, e que essas expectativas se alteram em resposta às ações dos planejadores. Em economia o átomo “pensa”, e suas reações têm de ser consideradas pelos formuladores da política econômica.

No regime de metas de inflação a âncora nominal que prende a inflação em torno da meta (o equivalente ao ponto Lagrange 2) é a expectativa de inflação, que reage a todas as informações relativas à formulação e à execução da política econômica. Enquanto as expectativas divergirem da meta, a política monetária terá de se manter no modo restritivo, o que temporariamente acarreta uma desaceleração da atividade econômica.

A aceleração do crescimento econômico exige o controle da inflação e reformas que elevem a produtividade e estimulem os investimentos em setores com retornos sociais mais altos. Porém, o “modelo” que embasa as ações do atual governo parte do postulado de que “a demanda cria sua própria oferta” e que o aumento dos gastos públicos acelera o crescimento e gera o aumento de receita que impede o crescimento da dívida pública, sem qualquer efeito sobre a inflação.

A equipe econômica do governo compôs um moto perpétuo que daria inveja a Paganini. Porém, ao usar os estímulos fiscais para expandir a demanda, trabalha contra o que vem sendo feito pelo Banco Central, e comunica aos agentes econômicos racionais que as expectativas de inflação continuarão divergindo da meta, o que impede a queda da taxa de juros.

Em vez de corrigir o rumo da política fiscal, o governo reage buscando enfraquecer o Banco Central “por dentro”. Isto nos coloca em uma marcha acelerada rumo à dominância fiscal, na qual serão colhidos um crescimento econômico medíocre ao lado de altas taxas de inflação e de juros reais.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/affonso-celso-pastore/affonso-pastore-inflacao-banco-central/

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Sobre o autor

Affonso Pastore