Luiz Fernando Figueiredo alerta que incertezas quanto a autonomia do Banco Central auxiliaram na desancoragem das expectativas de inflação para o ano
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O Comitê de Política Monetária (Copom) divulga nesta quarta-feira, 2, os rumos da taxa básica de juros da economia brasileira. As atenções do mercado financeiro estão voltadas para a reunião do Banco Central (BC), mas não há consenso quanto ao ritmo que a autoridade monetária vai adotar neste início de ciclo de descompressão da Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
A ata da última reunião, em junho, indicou que o BC iniciaria o processo de corte em 0,25 ponto percentual, mas desde então as condições para acelerar o ritmo para 0,50 ponto percentual se acumularam. A “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB), o IBC-Br, mediu uma queda de 2% da atividade econômica em maio e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) registrou deflação de 0,07% em julho. Além disso, a agência de classificação de risco Fitch Rating elevou de “BB-” para “BB” a nota de crédito do Brasil. A classificação, chamada de rating soberano, indica qual o risco de o país dar um calote. Essa certificação dá segurança para os investidores aplicarem recursos por aqui. “A taxa de juros realmente está muito alta, sob qualquer parâmetro”, alerta Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e chairman da Jive Investments.
Em entrevista a VEJA, o economista ressalta, entretanto, que apesar de muito alta, a taxa de juros foi o principal instrumento para reduzir a inflação, que chegou a 9,3% em 2022, o maior patamar em 30 anos.
O patamar da taxa de juros, em 13,75%, pode ser fator de desaceleração da economia? A taxa de juros realmente está muito alta, sob qualquer parâmetro, mas ela está nesse patamar porque também chegamos a um nível de inflação muito alto, que requeria um aperto grande da política monetária. Já se imaginava no início deste ano que a taxa de juros começaria a cair. Infelizmente, do final do ano para cá, algumas incertezas apareceram no caminho, como a questão fiscal e todos os ataques do governo ao Banco Central, gerando uma dúvida quanto a independência do órgão. Isso acabou postergando a possibilidade do Banco Central reduzir juros.
Então as críticas do governo ao patamar de juros, ao contrário de pressionar pela queda, auxiliaram na manutenção da taxa? As expectativas dos agentes tem um papel muito relevante na inflação. Com essas incertezas tendo aparecido, as expectativas começaram a subir e desancoraram. Não deu para reduzir os juros antes. Só depois de vários meses, em março ou abril, que o governo sinalizou estar na direção correta, ao contrário do que indicava a narrativa, com o endereçamento da reforma tributária e o arcabouço fiscal. Essas coisas foram ajudando a acalmar o mercado, que estava com medo. Infelizmente, isso acabou postergando muito o processo de queda da Selic.
Qual a expectativa para a decisão do Copom? O arcabouço fiscal foi bem recebido, vemos redução do déficit e inflação cedendo. Teve um conjunto de coisas que nos tiraram da grande incerteza. O próprio Banco Central já admitiu na última reunião que é muito provável que ele inicie o ritmo de queda de maneira “parcimoniosa”, mas desde então várias coisas continuaram na direção positiva, ampliando a chance de ser mais que 0,25 pontos percentuais de queda. O mercado está bem dividido. Há uma chance boa de vermos uma queda de 0,50 pontos percentuais.
Confirmada a queda, o que podemos esperar das reuniões subsequentes? É muito provável que vejamos movimentos a partir de ser 0,50 pontos percentuais, que é o passo normal. O Banco Central, historicamente, gosta de começar os processos de afrouxamento com 0,25 pontos percentuais.
Quando a economia vai começar a sentir os efeitos dessa decisão? Em alguns meses a gente vai sentir uma mudança importante. Na prática, a curva de juros já reflete uma mudança importante, com as expectativas de inflação ao fim do ano abaixo de 12%. Isso já reflete no mercado de crédito, mercado de investimentos e ativos financeiros. À medida que o Banco Central vai endossando esse movimentos de baixa vemos novos impulsos na economia.
Mesmo que a taxa termine o ano em 12%, isso ainda é considerado acima da “taxa neutra”, aquela que não gera distorções na economia. Qual seria a taxa de juros ideal? Ela sempre deve ser acima da inflação. Se a gente supor que a inflação seja de 3,5% ao ano, que é a meta do Banco Central, a taxa neutra é algo em torno de 4% ou 4,5%. Somando as duasq, isso dá 8%. O mercado, ao fim de 2024, já prevê que a Selic chegará em 9%, mas sempre tem que ter um prêmio de risco. Acho super possível convergirmos para 8%.
Link da publicação: https://veja.abril.com.br/economia/incertezas-atrasaram-queda-de-juros-diz-ex-diretor-do-banco-central/
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