Projeto pode retirar R$ 600 milhões do orçamento da fundação em 2025
Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Folha
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foi criada em 1960 e começou a funcionar em 1962. Sua criação estava prevista na Constituição Estadual de 1947, que lhe atribuía a missão de amparar a pesquisa científica com a dotação de 0,5% da receita ordinária do estado. Em 1989, a Assembleia Constituinte ampliou a missão da Fapesp, que passou a apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo, agora com a destinação de 1% da receita tributária líquida do estado.
Nestes mais de 60 anos, a Fapesp fez muito por São Paulo e pelo Brasil. A pesquisa feita nas melhores universidades e institutos do país, especialmente nas três universidades publicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp), só é possível pelo apoio regular da Fapesp.
Vacinas, aviões, ventiladores pulmonares e combate a pragas, como o amarelinho e agora o “greening”; novas variedades de cana-de-açúcar; o mapeamento da biodiversidade paulista; a Expedição Permanente à Amazônia, que Paulo Vanzolini liderou entre os anos 1960 e 1980; os estudos e dados que subsidiam a posição do Brasil nas negociações sobre a mudança climática: todos, de uma forma ou outra, só se viabilizaram com o apoio da Fapesp.
Mais de 1.800 pequenas empresas, grande parte delas startups, foram apoiadas nos últimos 27 anos. Hoje, por ano, cerca de 200 a 300 novas empresas são apoiadas, gerando empregos e melhorando a competitividade da economia paulista. Vinte e dois centros de pesquisa em engenharia ou aplicada estão atualmente em operação, fazendo pesquisa em parceria com grandes empresas sobre, por exemplo, a mobilidade aérea do futuro, o desenvolvimento de cultivares resilientes à mudança climática ou hidrogênio de baixo carbono.
Outros 22 centros de pesquisa de excepcional qualidade situam-se em universidades e institutos de pesquisa em temas como doenças de natureza genética, terapia celular de combate ao câncer (CAR-T Cell), materiais vítreos, fixação de carbono, matemática aplicada à indústria, inteligência artificial ou estudos sobre a metrópole.
Amparada no artigo 218 da Constituição Federal, que diz que os estados podem destinar parte de sua receita à pesquisa científica e tecnológica, a Fapesp foi a primeira e até hoje é a mais importante agência estadual de fomento à ciência e à inovação. Instituída pelo governo, a fundação é uma entidade singular; é uma instituição de natureza privada, com uma sólida governança e autonomia financeira-administrativa, só podendo despender 5% de seu orçamento com atividades-meio: as despesas com a sua administração. Um modelo único, admirado no país e no exterior.
A autonomia financeira da Fapesp é assegurada, por disposição inserida na Constituição Estadual, pelo repasse mensal de 1% da receita tributária do estado e pela existência de um fundo de reserva, previsto sabiamente pela sua lei de criação. Fato é que a Fapesp nunca deixou de honrar os compromissos assumidos por ela, muitos dos quais de longo prazo. É comum a fundação financiar pesquisas por prazos superiores a dez anos, garantindo estabilidade e previsibilidade a grupos de pesquisa e desenvolvimento.
Por todas essas razões, é preciso reverter com urgência o estabelecido no artigo 22 do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias recém-enviado à Assembleia Legislativa pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Esse artigo introduz uma diretriz nova para a elaboração do orçamento da Fapesp do próximo ano. Trata-se de não apenas levar em conta a dotação de 1%, prevista na Constituição Estadual, mas também considerar um dispositivo das Disposições Transitórias da Constituição Federal que permite desvincular até 30% das receitas de órgãos e fundações. A aplicabilidade desse dispositivo a uma instituição cujo orçamento deriva de dispositivo constitucional é discutível.
O valor é pequeno no conjunto do orçamento estadual, mas terá um impacto gigantesco no panorama da pesquisa de São Paulo. Essa medida retiraria R$ 600 milhões do orçamento da Fapesp no ano de 2025. Se perpetuada, vai inviabilizar muito do esforço que o estado tem feito para liderar a ciência e a inovação no país. Perde São Paulo, perde o Brasil —e é medida incompatível com um governo que diz acreditar na ciência e na tecnologia como base de sustentação de sua cultura, indústria, agricultura e população.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/05/a-fapesp-sob-ameaca.shtml
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