Entrevistas

Mário Mesquita: Trajetória da expectativa de inflação é o que mais me incomoda

Broadcast

No debate gerado pela última decisão de política monetária do Banco Central (BC), que marcou a desaceleração do ritmo de corte de juros no Brasil, e qual será o rumo à frente, o que mais incomoda o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, é a trajetória das expectativas da inflação no País. “Tem muita discussão no mercado se vai ou não ter essa redução [na próxima reunião do BC] por conta das expectativas estarem subindo, tem o cenário externo também. Para mim, olhando essas informações, o que me incomoda mais é a trajetória da expectativa”, diz o economista, em entrevista exclusiva ao Broadcast, durante o ‘Latam CEO Conference’, evento do Itaú BBA, realizado em Nova York, ao longo da Brazil Week.

Mesquita também vê o Brasil mais vulnerável sob a ótica fiscal diante dos riscos de a necessidade de socorro financeiro ao Rio Grande do Sul, afetado por fortes chuvas nas últimas semanas, ser usado como mote para uma nova rodada de expansão fiscal. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Na última entrevista, o senhor disse ao Broadcast/Estadão que o alerta fiscal voltou a preocupar o investidor estrangeiro. Como o socorro financeiro para o Rio Grande do Sul agrava esse temor?

Mario Mesquita:
 É algo que eu notei em abril, nas reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI), e que se repetiu agora. É um interesse e uma preocupação maior do investidor estrangeiro em relação à política fiscal brasileira não no curtíssimo prazo, mas na tendência de crescimento da dívida. Isso chama atenção porque já há algum tempo os investidores locais estavam preocupados, mas os estrangeiros sempre relativizando. Só que agora mudou.

Broadcast: Por quê?

Mesquita:
 A sequência de notícias, essa dificuldade de cumprir a meta [do superávit primário], a alteração da meta para o ano que vem cedo, chamou a atenção dos investidores. Antes de tudo, o drama do Rio Grande do Sul é uma tragédia humanitária, as pessoas estão sofrendo muito, então, acho que todo mundo é solidário. Não querendo ser Poliana, mas eu não me lembro de ter enxergado no Brasil por muito tempo as demonstrações de solidariedade que estou vendo agora, então, esse esforço está sendo bacana, pena que causado por uma tragédia dessa proporção.

Broadcast: E do ponto de vista econômico?

Mesquita:
 O Rio Grande é algo como 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, é mais relevante na agricultura. A situação ainda está muito incerta, mas a primeira conta que fizemos é que a tragédia poderia ter um impacto negativo de 0,3 ponto porcentual sobre o PIB, 0,1 ponto por conta da agricultura, e o resto, 0,1 ou 0,2 ponto pela indústria. Boa parte da tragédia ocorreu na grande Porto Alegre, que tem impacto industrial relevante. Temos o nosso dado diário que estamos usando para monitorar a situação do Rio Grande do Sul e tem algumas coisas interessantes. Ele mostra, por exemplo, o aumento do consumo de bens, ou seja, onde as lojas estão funcionando, as pessoas estão comprando até mais do que antes, provavelmente, para fazer estoque, que é totalmente compreensível nessa situação.

Broadcast: Esse impacto no PIB pode ser diluído ao longo do ano?

Mesquita:
 Ainda é um risco. Esse tipo de choque tem um impacto inicial negativo mas que será compensado quando começar o trabalho de reconstrução no Rio Grande do Sul, que vai dar um impulso para o crescimento.

Broadcast: Qual o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul para a inflação?

Mesquita:
 Calculamos um impacto de 0,40 ponto na inflação por conta de soja e arroz. Isso colocaria a inflação um pouquinho acima de 4% neste ano.

Broadcast: E o fiscal?

Mesquita:
 O último número que temos é de um impacto de R$ 20 bilhões, que é limitado. É óbvio que é preciso gastar com o Rio Grande do Sul. É como se fosse um covid-19 concentrado em apenas um estado. Ninguém vai negar que é preciso um apoio financeiro nesse momento. A preocupação que eu tenho é a tradição brasileira da carona. Ou seja, outros estados tentarem usar qualquer benefício que for concedido ao Rio Grande do Sul, uma proposta de válvula para a dívida. Na situação do Rio Grande do Sul, não há dúvida que isso faz sentido. Agora, dependendo de como a proposta for redigida, pode ser muito subjetivo. Tem estados do Brasil que têm chuvas muito intensas todo verão, tem também o problema da seca no Nordeste. Então, se você faz uma redação que não seja muito amarrada, praticamente vai detonar essa válvula todo ano para vários estados. Começar a generalizar isso não ajuda no momento em que o fiscal já é precário.

Broadcast: O senhor vê o Brasil mais vulnerável do ponto de vista fiscal? As metas, o novo arcabouço fiscal estão ameaçados?

Mesquita:
 O Brasil, a sociedade, os políticos gostam de gastar, só que a capacidade do Estado é limitada pela disposição dos contribuintes a pagar imposto e dos poupadores a comprar a dívida pública. Não dá para aumentar os gastos indefinidamente. Eu temo que, de novo, o assunto da carona, que essa tragédia seja usada como um mote para uma outra rodada de expansão fiscal, como tivemos, por exemplo, na PEC da transição.

Broadcast: E em um momento que o governo precisa de medidas adicionais para bater as metas, é ano eleitoral, tem a desoneração da folha de setores, das prefeituras…

Mesquita:
 E tem a segunda parte da reforma, que está por vir. Se a reforma do IVA, teoricamente é neutra, a da renda é para aumentar a arrecadação. Vai passar? Não sei. O Congresso pode resistir. Eu acho até que tende a resistir mais do que na primeira parte.

Broadcast: O senhor vê o Congresso dificultando a aprovação das medidas fundamentais para o governo bater as metas fiscais?

Mesquita:
 E tem também um outro complicador, que no começo do ano que vem a gente tem eleição para a presidência da Câmara e Senado. Isso sempre torna o Congresso mais difícil para o governo, para todos os governos. Precisa ter uma maioria muito grande para não ter nenhum frisson nesse período. Então, não estou vendo uma vida muito tranquila para o governo em termos de conseguir aprovar as medidas no Congresso. A reforma tributária do IVA, sim, mas, além disso, acho que vai ser difícil.

Broadcast: A inflação no Brasil segue alta, nos Estados Unidos também, mas os dados do CPI de abril foram melhores. Qual a sua leitura?

Mesquita:
 Para nós, não foi uma grande surpresa. O número veio em linha com o que estávamos esperando. Mas é uma leitura benigna. Só não achamos que é suficiente para o Fed antecipar corte de juros. O Fed se precipitou na virada do ano quando trouxe a discussão de corte de juros antes do que devia. Depois, teve que desfazer essa comunicação e nesse meio tempo o mercado ficou super volátil. Não acho que o Fed vai errar novamente. Corrigir o erro de demorar para cortar é mais fácil do que corrigir o erro de cortar cedo demais e depois ter que fazer um cavalo de pau.

Broadcast: O mercado vê o Fed cortando os juros em setembro. Qual a expectativa do banco?

Mesquita:
 Dezembro. O mercado já chegou a achar que o início dos cortes seria em março. Teve uma euforia causada pelo Fed. O CPI de abril reduz a chance de o Fed ter de subir os juros, mas não é suficiente para antecipar cortes.

Broadcast: Como a ação mais tardia do Fed impacta o Brasil?

Mesquita:
 Já está no preço o Fed agir mais tarde. Isso mantém o dólar forte no mundo e no Brasil também. Então, a gente vê a moeda em R$ 5,15 por conta desse adiamento do início do ciclo de flexibilização. Isso vale para a América Latina em geral. Não é que exista uma relação mecânica, como o Banco Central sempre repete, mas a taxa de câmbio é importante para determinar a inflação.

Broadcast: O banco considerou a ata da última reunião do BC mais dura. Quais foram os sinais?

Mesquita:
 A ata sinalizou uma concordância em relação à preocupação com a expectativa [da inflação], com o ambiente internacional. Há 20 anos, eu co-autorei um artigo sobre a importância de controlar e domar as expectativas da inflação, que continua importante. A expectativa é fundamental. Todos os banqueiros centrais olham e falam que a expectativa é importante, porque ela entra na formação de preços. Aliás, o Banco Central vai passar a fazer uma pesquisa de expectativas com empresas também, a Firmus. É interessante também, vai enriquecer a discussão.

Broadcast: Então, há um trabalho de reancoragem das expectativas?

Mesquita:
 Não só a ata, mas também a declaração do diretor [do BC], Paulo Picchetti, foram na direção de reforçar o esforço para reancorar as expectativas. Isso é bem-vindo. Agora, isso sinaliza também que há limites para a flexibilização monetária. O banco espera apenas mais uma redução de 0,25 ponto porcentual, com os juros terminando o ano em 10,25%. Tem muita discussão no mercado se vai ou não ter essa redução por conta das expectativas estarem subindo, tem o cenário externo também. Para mim, olhando essas informações, o que me incomoda mais é a trajetória da expectativa.

Broadcast: Isso se agravou após o Copom dividido?

Mesquita:
 A partir do que está na ata, imagino que poderia ter sido construído um consenso, mas não aconteceu. Agora, o Copom tem uma tradição de ter dissenso. Comparado com o Fed, é muito mais comum ter dissenso no Copom.

Broadcast: A divisão também elevou a temperatura quanto à escolha do próximo presidente do BC e as indicações do governo, que serão maioria no próximo ano. Qual a sua visão? Preocupa?

Mesquita:
 O ideal seria anunciar o nome logo e fazer as sabatinas antes do início da campanha eleitoral, que vai atrair a atenção dos políticos no segundo semestre. Quem quer que seja a pessoa selecionada e aprovada pelo Senado, vai ter um mandato muito claro. Uma das belezas do regime de metas de inflação é a transparência. Então, as pessoas sabem que tem que perseguir os 3%. Os membros da diretoria do Banco Central estão sinalizando que vão perseguir a meta e, se, eventualmente, começarem a desviar sistematicamente para cima ou para baixo, isso vai ter custo reputacional bastante intenso.

Broadcast: Em Davos, falávamos do aumento do risco da volta do capitalismo de Estado no Lula 3. Nesta semana, o governo surpreendeu ao trocar a presidência da Petrobras. Qual a sua leitura?

Mesquita:
 O timing pode ter surpreendido, mas o evento não. E já era esperado. Acho que é consistente com a visão que parte do governo tem sobre a importância do Estado no processo de desenvolvimento. Eu, particularmente, acho que essa estratégia deu errado por muito tempo. Não vejo por que ela vai dar certo agora. No entanto, é a visão boa parte do governo e a mudança na empresa é consistente com isso.

Link da publicação: http://broadcast.com.br/cadernos/financeiro/?id=eG1YNjJlc0pBRU9hMG1yeDlMUXNVdz09

Sobre o autor

CDPP