Entrevistas

Henrique Meirelles fala ao g1 sobre Galípolo no BC, trabalho de Haddad e livro de memórias

G1

Ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda lança o livro ‘Calma Sob Pressão’, que reconta aprendizados de sua trajetória. Ao g1, comenta também sobre o atual estado atual das cadeiras que comandou na economia do país.

O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles concedeu entrevista ao g1, em que compartilhou o que pensa sobre o Brasil atual ao mesmo tempo que trazia suas próprias lembranças de quando ocupou as principais cadeiras da economia do país.

As memórias estão frescas porque Meirelles lançou na semana passada o livro “Calma sob pressão: O que aprendi comandando o Banco de Boston, o Banco Central e o Ministério da Fazenda”.

Na conversa, Meirelles diz que o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, fez um bom trabalho, e que a primeira transição da Presidência do BC após a aprovação da lei de autonomia será tranquila.

Segundo ele, o novo indicado para o cargo, Gabriel Galípolo, tem a vantagem de não ter que enfrentar um ambiente tão conflituoso com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto seu antecessor.

“A questão dos atritos tende a acabar. É algo que pode dar mais conforto ao presidente Lula que as pessoas que estão lá são nomeadas por ele. Ele não precisa ficar preocupado que alguma medida possa ter como finalidade prejudicar o governo”, disse.

O ex-banqueiro central também disse que o maior desafio da instituição nesse momento é “manter a inflação sob controle e dar condições para o país crescer no seu máximo potencial, sem exagerar”.

Meirelles também reconhece um bom trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele reafirma a preocupação com a situação fiscal do país, mas diz que o atual ministro está “enfrentando batalhas importantes para manter o orçamento público sob controle”.

“É uma situação em que, de um lado, está o que os analistas e o mercado esperam de política fiscal e, do outro, o que os políticos, particularmente o partido dele, esperam da política fiscal. E ele tem que conviver com esses dois lados da equação”, diz.

“Ele está fazendo isso com habilidade, e conseguindo manter as contas em relativo controle.”

A seguir, veja como foi a entrevista em texto. Algumas frases foram levemente editadas para melhor compreensão durante a leitura.

  • g1 – O senhor já foi presidente de banco, foi o presidente do BC mais longevo da história, foi ministro da Fazenda. Qual é a faceta que está mais presente no livro?

São aquelas relacionadas aos eventos importantes para o país. Sobre como enfrentamos a crise de 2008, ou a crise fiscal que o Brasil vivia quando eu assumi o Ministério da Fazenda, em 2016. Além de aspectos relacionados à minha função como presidente mundial do BankBoston, onde fiquei praticamente 30 anos até entrar na vida pública em 2002.

  • g1 – Qual desses episódios mais gostou de contar no seu livro? Por qual você gostaria de ser lembrado?

A crise de 2008 foi um evento muito interessante. Muito grave e, ao mesmo tempo, muito gratificante porque nós enfrentamos muito bem.

A economia americana entrou em colapso, até que todas as linhas de crédito internacionais para o Brasil — que representavam mais de um quarto do total de crédito — de importação, de exportação, tudo foi paralisado. O Brasil entrou em uma crise de crédito e uma recessão fortíssima.

Felizmente, tínhamos recursos para enfrentar isso porque tínhamos feito uma acumulação de reservas importantes no Banco Central.

Na época, convoquei uma coletiva de imprensa e disse: “Olha, nós vamos usar as reservas para emprestar aos bancos e às empresas”. Isso baixou muito a possibilidade de crise. A economia começou a reagir.

Mas aí apareceu um outro problema, dos chamados derivativos tóxicos. As empresas vendiam o dólar a descoberto — isto é, sem ter o dólar —, apostando que o dólar ia cair, para ganhar com isso. Mas o dólar começou a subir com a crise, dando um prejuízo brutal. E era difícil descobrir qual era o tamanho do problema.

Conversei com muitos banqueiros centrais e dimensionei o total de US$ 40 bilhões. Em outra coletiva de imprensa, disse que o Banco Central ia entrar no mercado vendendo o dólar futuro — isto é, na posição oposta a essas companhias.

Eu anunciei: “Olha, o BC vai entrar vendendo dólar futuro e vai entregar futuros no mercado de derivativos aqui, na bolsa.” A pergunta dos jornalistas foi: “Quanto?” Eu disse: “Nosso limite é vender, hoje, até US$ 50 bilhões.”

O mercado acalmou, o dólar derreteu. Resolveu a crise. E esse conjunto de ações fez com que o país, que tinha entrado em recessão, já saísse e já entrasse, em janeiro de 2009, em uma rota de crescimento.

Naquela época, eu como presidente do BC ia às reuniões dos bancos centrais que ocorrem na cidade de Basileia, na Suíça. Quando entrei na sala do jantar de encerramento, os demais 32 presidentes de BCs estavam sentados e se levantaram para me aplaudir de pé.

Foi muito gratificante, porque banqueiro central não é necessariamente um sujeito dado a esse tipo de efusão.

  • g1 – O ministro Fernando Haddad recentemente fez uma brincadeira, dizendo que o trabalho dele, como ministro da Fazenda, era mais difícil do que o de Roberto Campos Neto, como presidente do BC. Pouca gente poderia responder essa pergunta com tanta propriedade. O senhor acha que qual deles é mais difícil?

São trabalhos bem diferentes, e com desafios diferentes. O BC tem um instrumento mais decisivo, que é a taxa de juros, e faz a gerência das reservas internacionais. São duas coisas muito importantes para o país.

E o presidente do BC lida com os efeitos das decisões que toma. É um trabalho muito técnico, que envolve previsões de inflação, taxa de juros e atividade.

O Ministério da Fazenda não tem instrumentos próprios de ação direta que possam influenciar a economia, a não ser a gerência das letras do Tesouro Nacional.

Mas o Ministério da Fazenda lida basicamente com toda a estrutura política do país. Depende muito daquilo que é apresentado e aprovado no Congresso Nacional, e também do que o presidente da República pretende fazer. Tem que influenciar outras áreas do governo, muitas vezes por persuasão.

  • g1 – Quem está mais desafiado hoje em dia, Haddad ou Campos Neto?

Devido a todo o questionamento feito pelo presidente Lula, o Campos Neto passou por uma situação muito desafiadora. Isso tende, agora, a arrefecer um pouco com a entrada dos diretores nomeados pelo presidente.

Agora, a situação fiscal do país também é muito desafiadora. Não há dúvida de que o ministro Haddad está enfrentando batalhas importantes para manter o orçamento público sob controle.

  • g1 – O senhor menciona a influência do presidente, mas vê alguma diferença em relação a como era o BC quando o senhor assumiu em relação a agora?

São etapas diferentes. Quando eu assumi o BC, o maior problema do país era a falta de reservas para estabilizar a economia brasileira. Tínhamos uns US$ 33 bilhões em reservas, por aí, além de uma dívida com o FMI.

Paguei as dívidas vincendas durante os primeiros meses e o total de reservas tinha caído para US$ 15 bilhões. Nossa dívida com o FMI era de US$ 30 bilhões. Então, o país estava em situação de insolvência. Quando eu saí do BC, nós tínhamos US$ 300 bilhões nas reservas brasileiras.

Isso só foi possível por uma série de circunstâncias. A agricultura brasileira foi fundamental. Em vários estados, tínhamos terras boas porque são planas, mas eram muito ácidas. Não funcionam para a agricultura. A Embrapa, que é a empresa de pesquisa agrícola do governo, desenvolveu uma maneira de quebrar a acidez do solo, por meio do uso de calcário e melhorou muito a produtividade.

Ao mesmo tempo, conseguimos estabilizar a inflação. E o crédito começou a crescer muito. Passou a ser possível dar crédito no país sem grande risco. Havia o risco do tomador, mas não mais o risco macroeconômico.

A disponibilidade de crédito e terras que passaram a ser agricultáveis tornaram possível uma produção agrícola crescente, que foi possível exportar. Isso gerou saldo de exportação grande, que nos permitiu construir as reservas.

A economia, muitas vezes, não depende de uma coisa ou outra. É um conjunto de fatores que permitiu que o Brasil acumulasse reservas e saísse daquela crise. Países vizinhos até hoje enfrentam esse problema. De 2003 até o começo de 2011, o país cresceu a uma média de 4% ao ano. É muita coisa.

  • g1 – Atualmente, qual o senhor acha que é o maior desafio do BC?

A questão dos atritos tende a acabar. É algo que pode dar mais conforto ao presidente Lula que as pessoas que estão lá são nomeadas por ele. Ele não precisa ficar preocupado que alguma medida possa ter como finalidade prejudicar o governo.

Particularmente, acho que o Roberto Campos Neto fez um bom trabalho. Mas é normal que o presidente fique meio preocupado com uma diretoria nomeada pelo Bolsonaro.

Isso faz com que o grande desafio volte a ser aquilo que é a missão básica do BC: manter a inflação sob controle e dar condições para o país crescer no seu máximo potencial, sem exagerar. Quando exagera dá inflação, e dá problema.

  • g1 – Ao longo do livro, o senhor cita uma passagem de uma certa pressão que o presidente Lula fez na época em que o senhor estava no BC, para baixar os juros. E o senhor falou que o acordo não foi esse, que queria autonomia para trabalhar, e seguiu no cargo. Como o senhor acha que vai ser essa primeira transição de um BC autônomo? E que dicas daria para o próximo presidente?

Deixa o Banco Central em paz (risos).

Acho que vai ser uma transição tranquila. O presidente indicado já faz parte da diretoria, é diretor de política monetária, e já existem outros diretores indicados pelo presidente Lula.

Tendo a ver uma situação de continuidade. Eles já estão lá, já estão votando, as votações, na maioria, têm sido unânimes. Não vejo nada que seja uma ruptura, uma mudança brusca.

  • g1 – Essa transição parecia estar sendo muito esperada pelo presidente Lula, justamente para ter um nome com o qual ele tenha mais intimidade. Mas temos visto o Gabriel Galípolo votar com a diretoria. Isso não pode causar uma nova crise, eventualmente, de ele começar a atacar o Galípolo ou então criar um ruído?

Acho que a probabilidade disso é menor. A questão aí não é se o presidente concorda ou não com as decisões. No momento em que ele confia que o presidente do BC vai tomar decisões que possam prejudicar o governo, ele se tranquiliza.

E aqui tem uma diferença importante: a questão não é exatamente um BC que vá tomar decisões para agradar o presidente, porque isso seria perigoso. Não acredito que isso vá acontecer. Mas, no sentido de que dá uma tranquilidade ao presidente de que, mesmo quando houver movimentos que ele não goste, ele tem uma tranquilidade de que aquilo está sendo feito por decisões técnicas, sem nenhum componente de ação política.

  • g1 – Vai conhecer mais as intenções da pessoa?

Sim. De que a decisão é técnica porque precisava, e não é uma decisão que vai prejudicar o governo.

Mesmo que você suba a taxa de juros em um primeiro momento, que é uma coisa que atinge negativamente o governo porque baixa um pouco o nível de atividade, quando você controla a inflação, o país cresce. Isso beneficia o país e o próprio governo.

g1 – Bastante gente no mercado ainda fica receosa sobre a transição no BC. O que o senhor achou da última decisão de juros? Ela foi realmente técnica ou serviu mais para sinalizar credibilidade do BC, de que segue autônomo, independente e perseguindo suas metas?

Evidentemente que as pessoas do mercado não estão no Copom, não têm acesso aos estudos técnicos, às motivações das decisões, etc. Mas, tudo indica, inclusive pela leitura cuidadosa da ata, que foi uma decisão técnica, tomada exatamente para controlar a inflação.

É normal que o mercado, em um primeiro momento, estivesse preocupado. Mas isso tende a desaparecer, à medida em que a transição para o novo presidente dê demonstrações claras — como tem dado — de que as medidas são necessárias.

  • g1 – Essa reafirmação da credibilidade é necessária? Parece, em alguns momentos, que o BC está um pouco refém das projeções de mercado, do boletim Focus, e que levar tanto em conta faria da subida de juros uma profecia autorrealizável. Existe essa contaminação?

A expectativa de inflação é importante. Se você dirige uma empresa, você é um formador de preço daquele produto. Se você acha que a inflação vai subir, você tende a aumentar o preço para poder se precaver.

Isso pode, de fato, criar uma profecia autorrealizável. No momento em que a maioria acredita que o BC vai fazer bem o seu trabalho — e aí entra a questão da credibilidade —, a expectativa de inflação baixa, porque todos já passam a pressupor que o BC vai controlar a inflação.

Isso torna, inclusive, menos custoso o combate à inflação. Quer dizer, precisa subir menos os juros para obter o mesmo resultado, porque todos ou a maioria acredita que o BC vai tomar as decisões corretas.

  • g1 – Mas existe alguma chance de os analistas estarem exagerando um pouco nas preocupações? As últimas projeções de crescimento sempre têm vindo menores do que o esperado pelo mercado.

São coisas diferentes. A expectativa de inflação é uma, a perspectiva de crescimento, outra.

Agora, é uma situação muito particular que estamos vendo [de erros nas projeções]. Que são [efeitos das] reformas feitas durante o governo Temer.

A reforma trabalhista, que aumentou muito a produtividade da economia. A reforma do sistema financeiro, com a viabilização da criação do PIX, que naquela época se chamou de lei do cadastro positivo, permitindo a criação desses novos produtos todos. A própria lei das estatais, que permitiu uma tendência à melhora da gestão das estatais.

Em resumo, todas as reformas estão fazendo efeito agora. E isso, sim, está surpreendendo o mercado.

É uma visão equivocada achar que o mercado é um agente político que quer pressionar para lá ou para cá. O mercado é um grupo de pessoas que estão produzindo, tendo expectativas e formando o preço. Um grande fundo na Faria Lima é mercado, mas um padeiro, um produtor de pão no interior da Bahia também é mercado. Ele também contrata gente, compra produtos, compra forno, diminui a produção, etc.

E o interesse de cada um desses é acertar, não é puxar alguma coisa para cima por meio da opinião dele. Todos estão procurando acertar o máximo possível, porque é assim que a empresa vai ter melhor resultado.

  • g1 – Mas foram muitos erros recentes. Ano após ano, vemos o Focus do começo do ano com resultados muito diferentes do que no final. O senhor cita as reformas que participou, mas por que o pessoal ainda não acerta, mesmo depois de tanto tempo? Onde precisa ajustar?

É difícil medir o efeito dessas reformas. Os erros não estão na previsão da inflação, estão na previsão de crescimento, que é um negócio menos politizado. Não há controvérsia.

Realmente está se discutindo muito qual é a capacidade de o país crescer. Quanto foi produto de reformas, quanto não foi produto de reforma, para o crescimento estar surpreendendo consistentemente para cima. Mas é positivo. Ainda bem que está assim. Seria ruim se fosse o contrário.

  • g1 – Mas, ao mesmo tempo, também atrasa a tomada de decisão dessa economia real. Se um investidor ou empresário vê que o país talvez não vá crescer tanto, ele não vai colocar o dinheiro dele para o investimento.

As previsões de crescimento do país não influenciam tanto. A inflação, sim. Cada empresário procura avaliar o que, na área dele, no mercado específico, está acontecendo.

O padeiro lá do interior da Bahia ou o presidente de uma fábrica de automóveis aqui do ABC não vai lá olhar o Focus para saber qual a previsão de crescimento para tomar a decisão.

Então, eu não acredito que haja um movimento articulado de errar para baixo as previsões. Eu acho que está havendo uma dificuldade de entender o que está acontecendo. Isso, sim.

  • g1 – Isso não gera um pouco de ruído no dólar, por exemplo? O grande investidor, um investidor institucional, não vai frear o ímpeto de trazer dinheiro para dentro do país porque acha que não vai crescer tanto?

Acho que não. Porque o investidor estrangeiro, por exemplo, vai investir na subsidiária da fábrica dele e, para isso, faz uma previsão de vendas. Não vão olhar o Focus.

Já o investimento financeiro é totalmente baseado no diferencial de juros — isto é, qual é o juro que os papéis brasileiros estão pagando versus os papéis americanos. Isso, sim, influencia fortemente o valor do dólar, a entrada de capitais no país.

Além da questão de expectativa. Quando os investidores acham que o governo vai tomar alguma decisão errada, eles ficam preocupados. O investidor de dólar é fundamentalmente financeiro.

  • g1 – Agora, da sua visão como ministro da Fazenda, só se fala em contas públicas. Qual é o seu diagnóstico em relação à situação, e sobre o trabalho do ministro Haddad? Faria algo diferente?

O ministro Haddad está fazendo um bom trabalho. Ele está em um governo que tem uma visão de que o gasto público é o que conduz a economia, o crescimento e a criação de emprego. Ele tem consciência das limitações, dos riscos e dos custos dessa expansão fiscal.

Então, existe um meio-termo. É uma situação em que, de um lado, está o que os analistas e o mercado esperam de política fiscal e, do outro, o que os políticos, particularmente o partido dele, esperam da política fiscal. E ele tem que conviver com esses dois lados da equação.

Ele está fazendo isso com habilidade, e conseguindo manter as contas em relativo controle.

Recentemente, algumas coisas geraram uma preocupação maior, como criar uma despesa passando pela Caixa Econômica, de maneira que não entre no orçamento. Isso é negativo, um sinal negativo. Espero que seja controlado e que tenham sido situações pontuais. No caso, por exemplo, do governo Dilma, isso gerou problemas importantes.

Então, eu acredito que a gestão fiscal, na medida em que continue obedecendo a certos limites, é positiva. O arcabouço fiscal é muito mais flexível, permite um crescimento real das despesas. O teto de gastos era algo que colocava um limite mais direto e mais duro. Do meu ponto de vista, também mais eficaz.

De qualquer forma, é positiva a existência do arcabouço. Poderia ser melhor? Sim. Mas também poderia ser muito pior.

  • g1 – A próxima pergunta era sobre o que acha da diferença entre o arcabouço fiscal e o teto de gastos. E quais saídas vê para essa questão fiscal, já que o aumento da arrecadação pode não ser suficiente?

O arcabouço é um pouco mais flexível que o teto, pois permite um crescimento real das despesas, acima da inflação. Mas também estabelece um limite para isso, que é positivo.

O teto foi colocado em um momento de crise. Ele não tinha crescimento real, era simplesmente a manutenção dos valores por meio da correção monetária. E tivemos sucesso durante certo período, uma diminuição do percentual do PIB ocupado pelas despesas públicas.

No início da década de 1990, o total de despesas públicas equivalia a cerca de 12% do PIB. Em 2016, estava em 20,5%. Com o teto, chegou a baixar para 19,5%, e depois [subiu] quando o teto começou a ser abandonado.

  • g1 – Mas o senhor acha bom ou ruim?

É positivo. Ele poderia ser um pouco mais duro, no sentido de não permitir um crescimento real ou um crescimento real menor de maneira a diminuir um pouco as despesas e, portanto, a carga tributária no Brasil.

No momento que você tem despesas elevadas, você tem que pagar isso. Tem que tributar mais, que é o que está se fazendo. E isso tem um custo para a economia.

  • g1 – No começo do ano, o senhor chegou a falar que uma reforma administrativa seria necessária. Como seria?

Um modelo interessante é o do estado de São Paulo [Meirelles foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo entre 2019 e 2022]. O governo de São Paulo fez uma reforma administrativa que gerou um saldo orçamentário e de caixa para o governo de São Paulo de R$ 52 bilhões. Como? Fechando empresas que deixavam de ter finalidade, cortando determinados tipos de benefícios do funcionalismo público e tudo isso.

Uma reforma administrativa desse tipo no governo federal poderia gerar, algo muito maior. Se São Paulo foi R$ 52 bilhões, vamos imaginar algo na linha dos R$ 150 bilhões ou R$ 200 bilhões de diminuição de despesas obrigatórias e correntes do governo federal.

Por exemplo, você pega as empresas que foram formadas há muitos anos atrás (…) para fazer alguma obra ou algum projeto que não foi executado. A empresa continua existindo, com funcionários, com prédio, com despesa de luz, água, telefone, automóvel, etc. Então, uma reforma administrativa iria fechar esse tipo de empresa.

Evidentemente que isso tem resistência. Os funcionários que estão nessa empresa não gostam disso e reagem a isso, protestam, etc. Tem que se enfrentar uma resistência importante.

Agora, é a única maneira, de fato, de você estruturalmente diminuir o tamanho do gasto público e não ficar sempre tapando um pedacinho aqui, um pedacinho ali.

Como a reforma da Previdência, que foi muito importante — talvez já esteja chegando até na hora até de fazer outra. Sem ela, nós já estaríamos em uma situação muito pior. A próxima reforma certamente deveria ser a reforma administrativa.

  • g1 – Não acha que pode ser difícil de aprovar, tendo em vista que o Congresso é mais difícil de manejar atualmente?

Sim, é difícil. Por isso que não sai. (Risos)

  • g1 – Para fechar, aquele exercício de futurologia: temos números bons de PIB, a inflação está, de certa forma, sob controle. Temos um desemprego nas menores taxas desde 2014. Ao mesmo tempo, seguimos com níveis de investimento baixos e uma taxa de juros que ainda compromete bastante. Como o senhor vê os próximos anos da economia do Brasil? E o que falta para destravar investimentos?

A tendência da economia brasileira é ter esse crescimento entre 2,5% e 3%, que é o que tem acontecido — tem sido até mais para 3% do que para 2,5% mais recentemente —, mas olhando à frente, vai ficar por aí. Não é o crescimento ideal, mas é um crescimento razoável.

Ao mesmo tempo, temos uma perspectiva de uma inflação sob controle e um BC independente, o que ajuda dentro do processo de manutenção de uma economia estável e um crescimento também estável.

Para termos uma mudança desse cenário, nós teremos que avançar. Por exemplo, uma reforma administrativa para gerar recursos que permitissem inclusive uma diminuição da carga tributária. Isso beneficiaria a economia.

As reformas de produtividade também são muito importantes. Não se tem falado sobre isso, mas a reforma tributária também tem um efeito na produtividade. Seria muito importante que fizéssemos uma reforma tributária o mais simplificadora possível. Estudos do Banco Mundial mostram que uma das maiores questões da baixa produtividade do Brasil é exatamente uma tributação muito complexa.

Partindo do pressuposto de que esse assunto não está sendo discutido, o crescimento é esse, de 2,5% a 3%. Vai ser mais de 3% dependendo da circunstância, e eventualmente menos.

A vantagem? Não se prevê uma crise à frente. Crise sempre pode existir, mas não há necessidade de se prever uma crise no Brasil porque as coisas estão relativamente equilibradas. Além de que o Brasil é um país que tem uma democracia estabilizada, tem o Judiciário independente, Congresso independente, a imprensa independente.

Então, tudo isso dá uma estabilidade para o país seguir essa rota, sem grandes oscilações.

Link da publicação: https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/10/03/entrevista-henrique-meirelles-ao-g1.ghtml

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