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Por que o Brasil não ficou rico?

Solução das elites locais para continuarem no poder foi obter subsídios e proteção tarifária do Estado

Valor

O Prêmio Nobel de Economia deste ano foi concedido para Acemoglu, Johnson e Robinson pelas pesquisas que eles fizeram para explicar por que alguns países são mais ricos que outros, uma das questões mais importantes que existem. Segundo eles, o principal determinante da prosperidade de uma nação é a qualidade das suas instituições. Vamos usar as pesquisas desenvolvidas pelos autores para tentar entender por que o Brasil não se tornou um país desenvolvido.

Para os autores, poupança, educação e produtividade, que são determinantes próximos do crescimento econômico, são na realidade fatores endógenos, determinados pelas instituições que prevalecem nos países, ou seja, pela forma como as suas sociedades são estruturadas. Estas instituições são construídas ao longo do tempo. Tudo começa com o processo de colonização. Nos países em que as condições na época do descobrimento favoreciam o estabelecimento dos colonos, houve um processo de migração em massa e o desenvolvimento de instituições fortes, com investimentos em educação e direitos de propriedade para todos.

Quando as condições climáticas e populacionais eram desfavoráveis, ou seja, quando a mortalidade era alta ou quando a população local que poderia ser explorada era grande, os colonos criaram instituições destinadas a explorar a mão de obra local e transferir os recursos para a metrópole. Estas são as instituições extrativas. Com o tempo, elites locais foram se formando nestes países, que buscavam se manter no poder para continuar explorando o restante da população local.

Elites evitaram investir nos direitos da população mais pobre para não perderem sua posição dominante na sociedade

Mas uma das maiores contribuições dos autores foi explicar teoricamente por que instituições ruins, uma vez criadas, tendem a se manter ao longo do tempo. Segundo eles, a evolução das instituições depende fundamentalmente da luta pelo poder entre as elites e o restante da população. Os países com instituições extrativas permanecem pobres porque as elites locais, que detêm o poder de fato, não têm interesse que a maioria da população seja efetivamente incluída na sociedade, com acesso à educação, justiça, direitos de propriedade e ao voto, para não perderem poder.

Mesmo que estas elites prometam, periodicamente, estender estes direitos para os mais pobres, elas não têm incentivos para fazê-lo, pois sabem que, se mudanças democráticas realmente acontecerem, o povo mais educado e com direito a voto irá expropriá-las, mesmo que prometa que não o fará. Sem uma população escolarizada, estes países não conseguem absorver os avanços tecnológicos que surgem periodicamente no mundo para crescer e aumentar a renda per capita. Assim, os países com instituições ruins vão ficando cada vez mais para trás, enquanto suas elites vão se encastelando, concentrando dinheiro e poder.

Esta abordagem nos permite entender por que o Brasil não conseguiu se tornar um país rico. O reflexo mais evidente das instituições extrativas no Brasil é a falta de igualdade de oportunidades provocada pela lenta evolução educacional que ocorreu por aqui até o final do século XX. Basta dizer que, enquanto nos EUA a porcentagem de adultos com ensino médio entre 1940 e 1970 passou de 25% para 50%, no Brasil ela passou de 1,5% para apenas 7% no mesmo período! Ao invés de investir na massificação do ensino básico, o Estado brasileiro privilegiou a construção de universidades públicas gratuitas e políticas regionais e industriais para beneficiar as elites locais.

É interessante notar a forma específica como os mais pobres eram excluídos do sistema educacional depois da escravidão. Além da falta de escolas em determinadas regiões, as altas taxas de repetência prevalecentes desestimulavam os descendentes dos escravos a continuar na escola. No início da década de 1980, por exemplo, a repetência no primeiro ano do ensino fundamental chegou a 60%.

Era muito difícil mudar este processo de concentração de poder por meio do voto, pois a democracia era restrita. Além do coronelismo, a população analfabeta (essencialmente negra) não tinha direito a voto e, desta forma, não conseguia eleger políticos que pudessem mudar a sua situação, apesar de representarem a maioria da população até a metade do século passado. Os analfabetos só conquistaram o direito ao voto em 1985, nas primeiras eleições municipais após a ditadura militar.

Além disto, as elites locais sempre formaram a maioria dos alunos nas universidades públicas. Apenas 570 mil pessoas tinham ensino superior em 1970, numa população de 35 milhões de habitantes. A reforma institucional que mudou esta situação só veio a ocorrer na primeira década deste século, com a introdução das cotas sociais, que sofreram muita resistência inicialmente, com o argumento de que iriam reduzir a qualidade do ensino superior.

Os privilégios chegaram ao ponto em que os condenados criminalmente com ensino superior tinham direito a um regime de prisão diferenciado do restante da população. Isto só terminou no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal declarou este privilégio inconstitucional.

Um processo parecido aconteceu na saúde. Não havia hospitais públicos para atender a população pobre até o final do século XX. Isto só foi mudar com a constituição de 1988, que criou o SUS. Também não havia nenhum programa de assistência social em escala. Sem uma população educada e saudável trabalhando nos diversos setores da economia ficou impossível nos aproximarmos dos países ricos atingindo a fronteira tecnológica.

A solução das elites locais para continuar no poder foi obter subsídios e proteção tarifária do Estado. Assim, após um curto período de crescimento de produtividade provocado pela migração em massa de pessoas da agricultura de subsistência nas áreas rurais para o setor de serviços nas cidades, perdemos dinamismo e fomos ficando para trás.

Em suma, usando as pesquisas dos ganhadores do Prêmio Nobel, podemos dizer que o Brasil não se tornou rico por duas razões principais. Primeiro, devido às nossas condições geográficas na época do descobrimento, que favoreceram uma colonização exploratória, com a formação de elites locais encasteladas no poder. E depois, porque essas elites evitaram investir nos direitos da população mais pobre para não perderem sua posição dominante na sociedade.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/por-que-o-brasil-nao-ficou-rico.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho