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Sorriso indiano

O caminho para a economia indiana sair do grupo de renda baixa para média parece auspicioso, ainda que não garantido

Valor

Promovemos recentemente o Itaú BBA Macro Vision, um evento anual de macroeconomia e negócios que reúne lideranças empresariais, investidores, economistas, bem como executivos do banco. Um dos destaques dessa edição foi o professor Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago. Rajan tem uma brilhante carreira, foi economista-chefe do FMI e presidente do Banco Central da Índia, onde introduziu o regime de metas para a inflação.

O professor Rajan lançou neste ano o livro “Breaking the Mould”, que trata do futuro econômico da Índia. O livro é importante e merece estudo e tradução por aqui. É importante porque a Índia é importante e porque contém lições que se aplicam a outros países, inclusive o nosso. Além de ser o país mais populoso do mundo e nossa sócia no Brics, a Índia é uma das cinco maiores economias do mundo.

Segundo dados do FMI, entre 2015 e 2019, o PIB indiano cresceu em média 6,7% ao ano e acelerou para estimados 7,4% ao ano em 2022-2023. É verdade que a economia ainda não chegou à renda média, o PIB per capita era algo como 23,5% do brasileiro em 2023, em dólares correntes, e 46,7% ajustado pela paridade de poder de compra.

Apesar de ainda ser um país pobre, a Índia, uma potência nuclear, tem conquistas importantes na área tecnológica. O país lançou exitosamente um foguete para a exploração lunar em 2023. Mais importante, do ponto de vista econômico, a Índia criou uma infraestrutura digital muito avançada, integrando identificação pessoal e sistema de pagamentos (como o Pix), o chamado India Stack. Isso permitiu um extraordinário avanço da bancarização, de 17% para 80% da população em apenas 7 anos (processo que demorou, em média, 47 anos em outros países), bem como facilitou a transferência de recursos durante a pandemia e a formalização da economia.

Há razões para supor que o crescimento indiano deve seguir em ritmo acelerado pelos próximos anos. O país tem uma parcela muito elevada da força de trabalho no setor agrícola, cerca de 40%, ante 9% no Brasil, indicando baixa produtividade. Transferência de parte desse contingente para atividades mais produtivas ensejará aumento da produtividade da economia como um todo. A taxa de participação feminina ainda é baixíssima, 20-25%, frente a 50-55% no Brasil. O aumento da participação feminina também favoreceria o crescimento. Em resumo, as estimativas mais conservadoras do crescimento potencial à frente situam-se em torno de 5,5%, ao passo que as mais otimistas chegam a algo como 7,5%.

O governo vem adotando uma série de reformas que ajudam a explicar a aceleração indiana. Pode-se destacar, além da introdução do India Stack, uma ampla reforma tributária, com a criação de um IVA nacional, que substituiu vários impostos e taxas, em 2017 – análoga ao que se pretende fazer aqui -, e também uma revisão da lei de falências.

Políticas industriais voltadas a setores de menor valor adicionado dificilmente beneficiarão a economia como um todo

O caminho para a economia indiana sair do grupo de renda baixa para média parece auspicioso, ainda que não garantido. Como sabemos, pela experiência brasileira, sair da renda média para a renda alta é um desafio bem mais complexo. Um fato é bem estabelecido: nenhuma economia conseguiu fazer essa transição sem uma profunda integração com a economia mundial. Rajan argumenta, persuasivamente, que a trajetória de integração via exportação de produtos manufaturados, perseguida por várias economias asiáticas desde a metade do século passado, é bem menos promissor do que já foi.

A construção de cadeias produtivas internacionais, voltada para maximizar a eficiência produtiva, reduziu de forma importante o valor adicionado na manufatura. Este se encontra em etapas anteriores e posteriores do processo produtivo, notadamente na parte de pesquisa e desenvolvimento, e depois na etapa da comercialização e divulgação de conteúdo – em termos gráficos, o valor adicionado começaria elevado na parte de desenho do produto, cairia na etapa da produção, e subiria novamente no momento da comercialização, configurando uma curva com formato de um sorriso.

As etapas iniciais e finais embutiriam serviços de alto valor, ao passo que a etapa intermediária, da produção, seria marcada por atividades de manufatura extremamente competitivas e, assim, com retornos menores. Para ilustrar a diferença, o valor de mercado da Apple, que concebe, desenha, desenvolve e comercializa os iPhones e seus aplicativos chega a US$ 3,5 trilhões. Já o da Foxconn, principal fabricante, não atinge US$ 100 bilhões.

Políticas voltadas para a parte de baixo do sorriso parecem, em resumo, pouco criativas e anacrônicas. Rajan destaca o potencial para o crescimento das exportações de serviços, algo que o período da pandemia demonstrou ser bastante viável e eficiente em certas atividades. É claro que os argumentos de Rajan não se aplicam unicamente à Índia. Políticas industriais voltadas para setores de menor valor adicionado podem ajudar os aquinhoados, mas dificilmente vão beneficiar a economia como um todo.

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As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita