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O exagero das emendas parlamentares

Folha

Nas últimas semanas veio a público o documento “É assim em todo lugar? Emendas parlamentares no Brasil e em 11 países da OCDE”, de Hélio Tollini e Marcos Mendes.

No trabalho, os autores comparam as práticas no Brasil com Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Espanha, EUA, França, Itália, México e Portugal. E o resultado é que o conjunto de práticas recentemente adotadas por aqui é uma verdadeira jabuticaba.

Desde 2013 houve, segundo Rodrigo de Faria no livro “Emendas parlamentares e processo orçamentário no presidencialismo de coalizão”, a dominância do Legislativo sobre o Orçamento.

A eleição de presidentes fracos e pouco afeitos à lida diária da política –Dilma e Bolsonaro– criou o vazio ocupado pelo Legislativo. Como deixa claro o estudo de Tollini e Mendes, “diversas alterações constitucionais e legais, adotadas a partir de 2013, gradativamente tornaram obrigatório o pagamento dessas emendas, elevaram o seu valor mínimo, criaram novas modalidades de emendas, obrigaram o Poder Executivo a reservar recursos crescentes a serem alocados pelos parlamentares, indexaram o valor mínimo obrigatório a ser alocado para emendas ao crescimento da receita, bem como flexibilizaram os requisitos de transparência e controle sobre o uso dos recursos”.

De um gasto, a preços de 2024, de R$ 3,9 bilhões em 2015, o valor executado das emendas cresceu para R$ 48,3 bilhões em 2024, segundo a estimativa do 3º Relatório Bimestral de Receitas e Despesas Primárias, do Tesouro Nacional. Trata-se de um crescimento real anual de 32%!

Se no Brasil o gasto com emendas é de 24% do gasto discricionário, o segundo país com o maior gasto com emendas é a Alemanha, com 9% do orçamento discricionário. Para Coreia do Sul e México, temos números na casa de 4% e, para os demais, temos 1%.

Entre as diversas diferenças qualitativas, se sobressaem a obrigação do Executivo em reservar recursos para que o Legislativo faça suas emendas e a liberdade do Legislativo para reestimar receitas, quando da preparação do Orçamento, que não encontram paralelo nos países investigados por Tollini e Mendes.

Adicionalmente, por aqui o Parlamento pode: aprovar emendas sem a concordância do Executivo; cortar despesas obrigatórias; e intervir ao longo da execução do Orçamento. Nada disso é permitido nos países estudados.

É comum se achar que nos EUA há muita emenda. Não é o caso. As emendas de caráter local, similares às nossas, são limitadas a 1% da despesa discricionária. O que ocorre é que nos EUA o Orçamento é feito pelo Legislativo. Está de acordo com o desenho institucional americano de voto majoritário, bipartidarismo e presidente fraco.

Note que o estudo de Tollini e Mendes considera, em sua amostra, tanto países com modelo político majoritário, em geral países ingleses, quanto países com sistemas consensualistas, América Latina e Europa continental.

É comum se argumentar que emendas são necessárias para lubrificar o presidencialismo de coalizão. Este é o caso com emendas autorizativas em até 2% do PIB, como era no período de dominância orçamentária do Executivo. O que temos hoje, um quarto do orçamento discricionário comprometido com emendas impositivas, é abuso do Legislativo sobre as prerrogativas do Executivo.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/11/o-exagero-das-emendas-parlamentares.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.


Sobre o autor

Samuel Pessôa