Uma coisa é certa: devemos esperar mudanças importantes na política comercial, externa e imigratória dos EUA
Valor
As consequências econômicas do presidente Donald Trump são o principal tema de debate, no que se refere à economia mundial, nessa virada de ano. A visão consensual é que entraremos em um período turbulento com mais incerteza emanando dos EUA, que irão também entrar em um novo processo inflacionário e de deterioração mais acelerada do déficit público, levando a juros mais elevados. Como o dólar é a moeda de reserva global, essa combinação, que levaria à depreciação em outras economias, ocasionaria um fortalecimento adicional da divisa americana – que já se encontra em patamares historicamente elevados. Uma coisa é certa: devemos esperar mudanças importantes na política comercial, externa e imigratória dos EUA.
Trump, nas últimas semanas, mencionou a intenção de aumentar tarifas de importação de forma generalizada, mas também ameaçou elevações adicionais para Canadá, México, União Europeia, China e os demais membros do Brics, incluindo o Brasil. É evidente que essa postura pode ser apenas um movimento inicial para abrir negociações. Nesse cenário, haveria um período inicial de maior volatilidade, seguido por certa acomodação.
Uma primeira questão é sobre a capacidade do Poder Executivo atuar unilateralmente na esfera comercial, sem precisar de aprovação do Congresso – os republicanos conseguiram o controle de ambas as casas, o processo legislativo tende a ser lento e apresenta incerteza. Normalmente, a imposição de tarifas, no contexto institucional americano, requer uma investigação sobre o alegado dano de determinadas importações para a economia doméstica, ou também sobre alegado risco à segurança nacional. Como o governo há de querer agir rápido, e cogita utilizar tarifas para atingir objetivos não comerciais – impedir o desenvolvimento de outras moedas de reserva, no caso dos Brics, reforçar o patrulhamento fronteiriço, no caso do México – é plausível que lance mão de um decreto de emergência, já utilizado nos anos 1970.
A prioridade do governo no primeiro semestre do ano deve ser a política comercial. Deixando a retórica de campanha de lado, os economistas do Itaú esperam que os EUA aumentem a tarifa sobre produtos chineses de 14% para 34% (tarifa média), sobre automóveis europeus de 2% para 22,5%, e sobre veículos vindos do México, mas de origem chinesa em 100%.
O impacto de curto prazo dessas medidas deve ser levemente negativo, quanto à atividade econômica nos EUA. Por um lado, as tarifas podem incentivar a produção local, mas, por outro, a incerteza e o aperto das condições financeiras, impactando a economia como um todo e não o (limitado) setor industrial, atuam na direção oposta. Tarifas devem ter um impacto inflacionário, impulsionando o núcleo da inflação de 0,5 a 1 ponto percentual no ano – o que claramente limitaria o raio de ação do Fed. Nesse cenário, o impacto negativo sobre o PIB europeu seria de 0,5 ponto percentual, e de 1 ponto sobre o crescimento chinês, ressaltando a eventual necessidade de novas medidas de estímulo nessas economias.
Quanto à trajetória da economia americana a médio prazo, o mais provável é que as tarifas levem a uma pior alocação de recursos e desaceleração dos ganhos de produtividade. Note-se, contudo, que esse tipo de efeito tende a ser menos danoso em uma economia que está próxima ou na própria fronteira tecnológica do que em uma economia, como a nossa, que esteja mais distante da mesma.
Os EUA devem atingir o limite do endividamento federal logo no início de 2025, o que pode antecipar discussões sobre política fiscal – ainda que a maioria republicana no Congresso deva assegurar sua expansão. O mais provável é que os debates sobre política fiscal fiquem para o segundo semestre. A estratégia fiscal parece ser combinar cortes de impostos (a rolagem do pacote de 2017) e aumento de gastos com defesa com possíveis ganhos de eficiência (encomendados a Elon Musk) e aceleração do crescimento, derivada da desregulamentação da economia.
Políticas de Trump podem ter impacto negativo, mas desregulamentação tende a favorecer a inovação e a experimentação
A julgar pela experiência internacional, ajuste de despesas sem atacar a rigidez de gastos tende a apresentar resultados modestos, e contar com o crescimento para resolver o problema fiscal também parece arriscado. Assim, o mais provável é que o “ajuste”, ainda que parcial, venha por meio das tarifas, e que o déficit não só siga elevado, como aumente em 1% do PIB por ano, o que manteria as taxas de juros dos títulos de 10 anos entre 4% e 5% ao ano.
A terceira perna da política econômica de Trump 2.0 é um retorno das deportações de imigrantes, e outras restrições ao fluxo de pessoas, que foram relaxadas durante a atual gestão. Um interessante estudo do Peterson Institute (um dos principais think-tanks em Washington) considera o impacto cumulativo em três anos sob dois cenários, deportação de 1,3 milhões ou de 7,5 milhões de imigrantes. No primeiro, o PIB seria 2,1 pontos percentuais menor, e no segundo, mais dramático, 12 pontos percentuais – dado o tamanho do choque de oferta negativo. O mesmo ocorre com a inflação: terá aumento cumulativo de 1,3 pontos no cenário suave, e 7,4 pontos no mais agressivo. Em resumo, o surto imigratório ajuda a explicar o dinamismo da economia americana nos últimos anos – sua reversão atuaria no sentido oposto.
As políticas do novo governo podem ter impacto negativo, mas o viés pela desregulamentação tende a favorecer a inovação e a experimentação, que, ao fim e ao cabo, seguem sendo os grandes diferenciais positivos da economia americana.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/perspectivas-para-os-eua.ghtml
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