Maior ambição da Indonésia é figurar entre os países de alta renda até 2045, centenário da sua independência
Valor
Maior economia da região, a Indonésia tem crescido bem no período pós-pan- demia, perto de 5% em 2023, com projeções similares para 2024 e 2025. A robustez do consumo interno tem sido crucial para isso, apesar de ele representar apenas 60% do PIB, enquanto os investimentos correspondem a expressivos 30-35%. Como no Brasil, as exportações também são chave, cobrindo um arco que vai do carvão aos minerais críticos e níquel.
A Indonésia é responsável por 60% do níquel processado mundialmente. Essa liderança tem sido acompanhada de uma política de processamento do minério e produção de baterias como contrapartida ao direito de mineração. Seu sucesso enfrenta, ainda assim, desafios, com a recente queda de 40% no preço do níquel.
No setor energético, a Indonésia detém quase 40% do mercado global de carvão térmico, gerando US$ 42 bilhões em exportações e sustentando mais de 5 milhões de empregos diretos e indiretos, principalmente em Sumatra e Kalimantan, a ilha onde está Brunei. O carvão atende dois terços da demanda elétrica do país, resultando em emissões de 400 milhões de toneladas de CO2 /ano. As energias renováveis, com a hidroelétrica estável e a solar crescendo, já representam 20% da matriz elétrica. O governo espera aumentar essa proporção, aposentando usinas a carvão e investindo em energia limpa, com auxílio internacional.
Os biocombustíveis, especialmente o óleo de dendê e rejeitos, têm papel relevante na indústria e já respondem por 35% do consumo energético nos transportes.
A alta taxa de poupança tem permitido o país crescer sem grandes pressões inflacionárias ou na conta corrente. Foi possível atravessar o período de alta de preços pós-pandemia com inflação abaixo de 6% e trazer a inflação para menos de 2% ao final de 2024, com juros modestos. A dívida pública tem se mantido perto de 40% do PIB, com um déficit primário perto de zero, e um gasto público de menos de 20% do PIB. Os riscos com o comércio com a China são relevantes, como no carvão, em que os chineses respondem por um terço das exportações, mas não muito diferentes daqueles na maioria dos países expostos aos preços das commodities.
Alta taxa de poupança permite que a Indonésia cresça sem grandes pressões inflacionárias ou na conta corrente
A maior ambição da Indonésia é figurar entre os países de alta renda até 2045, centenário da sua independência. O caminho traçado para isso é melhorar a educação da sua população relativamente jovem de 270 milhões de pessoas, investir na diversificação industrial e, principalmente, alavancar a transformação digital que tem avançado bem. Pagamentos digitais, atividades de e-commerce e soluções de tecnologia financeira já são corriqueiras, aumentando a inclusão financeira e eficiência da economia.
Como em outros lugares, as empresas americanas mais destacadas no país há 30 anos perderam espaço para as chinesas, enquanto as de TI ganham proeminência.
A recente eleição americana suscita alguma preocupação, especialmente no que tange a tarifas. Mas o sentimento geral é que o país mostrou resiliência diante da crise financeira mundial de 2008 e da pandemia, e saberá enfrentar os desafios de agora, inclusive juros globais altos.
Ainda é cedo para saber tudo que o novo governo americano vai fazer com impostos, tarifas e imigração. A redução dos impostos deve estimular a economia, enquanto mais tarifas e uma menor oferta de mão de obra estrangeira devem ser inflacionárias. A curva de juros americana já reflete isso desde em outubro, quando ficou evidente quem ia vencer a eleição. A dúvida é como o governo reagirá se o Fed subir os juros curtos, dado que o desemprego está baixo, a inflação acima da meta e a imigração deve encolher. Em 2019, os juros caíram após pressão do Executivo. Se eles cederem na segunda metade do ano, não se pode descartar um dólar mais fraco, que será discretamente festejado em algumas partes.
Para alguns, a desregulação permitirá um crescimento não inflacionário nos EUA. Mas o resultado não é garantido, já que parte da regulação que se presume eliminar coíbe comportamentos anticompetitivos e a tomada de risco excessivo, que impulsiona a demanda doméstica.
Outra conjectura otimista é que um choque de produtividade no setor público traria economias na Defesa e na Saúde Pública suficientes para compensar os cortes de impostos e moderar o déficit público e seu impacto nos juros longos. Ambos os setores consomem muito com gestão, práticas desnecessárias e equipamentos obsoletos e caros de operar. Uma mudança radical (“disruptiva”) que os trouxesse para a fronteira digital e da inteligência artificial poderia trazer economias de talvez 15% nos gastos desses ministérios, o que equivaleria a perto de US$ 150 bilhões ao ano no primeiro e US$ 300 bilhões no segundo.
Economias dessa ordem não são fáceis, já que não é trivial fazer andar para trás e segurar o que geralmente tem grande empuxo para cima. Mas em alguns casos isso tem se mostrado possível com a tecnologia certa. A percepção de movimento nessa direção poderia abrandar a maré contra o dólar, caso o Fed seja tímido no combate à inflação.
Nesse mundo incerto, a Indonésia tem discutido com o FMI a melhor a resposta a choques nos preços das commodities e no ciclo financeiro. Na avaliação do FMI, a maior vulnerabilidade diante desses choques é a pouca profundidade do mercado de câmbio, apesar dos US$ 150 bilhões em reservas e das regras sobre remessas de capital vigentes na Indonésia. Os modelos do Fundo aplicados a um choque expansionista em uma “grande economia global” apontam a moeda da Indonésia desvalorizando e pressionando a inflação local, exigindo um aperto monetário, talvez acompanhado por transferências sociais enquanto a economia se acomoda. O FMI também inclui intervenções no câmbio (até 2% do PIB) para diminuir a volatilidade dos preços e o aperto monetário, desde que feitas de maneira judiciosa.
Os próximos trimestres serão de aprendizado intenso, com premissas econômicas, tais a eficiência da liberdade de comércio e de um sistema estável de regras, sendo testadas. Países com arcabouços econômicos robustos devem poder atravessá-los com mais tranquilidade.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/um-arquipelago-e-o-mar.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.