A maior parte da tributação deveria advir de impostos sobre a renda, independentemente da sua fonte, com maior carga proporcional sobre os trabalhadores e empresários com maior renda
Valor
As novas formas de contratação no mercado de trabalho indicam uma tendência crescente por parte das empresas no sentido de evitar os encargos trabalhistas e por parte dos trabalhadores de evitar impostos e ter mais flexibilidade no emprego. Mas este processo está se tornando bastante confuso e ineficiente. Como podemos melhorar o funcionamento do nosso mercado de trabalho?
Tradicionalmente, havia na sociedade brasileira uma divisão bastante clara entre os trabalhadores. O primeiro grupo (insiders) era composto por trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos, mais escolarizados e majoritariamente brancos. Já o segundo grupo (outsiders) era composto pelos trabalhadores informais e pelos por conta própria, menos escolarizados, pobres e negros em sua maioria. O aumento da escolaridade da população e as novas possibilidades de contratação estão deixando esta divisão menos nítida.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer a diferença entre os diferentes tipos de trabalho. Segundo a definição oficial do IBGE, o empregado formal é aquele que trabalha para uma empresa com carteira de trabalho assinada. Se o empregado não tem carteira assinada, é considerado informal. Se ele não é empregado e também não tem empregados, é considerado um trabalhador por conta própria. Por fim, se a pessoa tem empregados, ela é classificada como empregadora.
Reduzir os encargos trabalhistas e impostos sobre grandes empresas pode melhorar eficiência do mercado de trabalho
Do ponto de vista do trabalhador, a vantagem de ser formal é ter direito a todos os benefícios trabalhistas e da seguridade social, tais como salário mínimo, férias pagas, décimo terceiro salário, FGTS, aposentadoria, dissídios coletivos e licença-maternidade. Porém, seu salário efetivo tende a ser menor do que ele receberia se sua empresa não tivesse que pagar todos os encargos trabalhistas, pois parte destes custos são repassados para o próprio trabalhador.
O trabalhador informal não tem direito a todos estes benefícios, mas na prática recebe alguns deles, como o salário mínimo, férias e décimo terceiro, porque as empresas têm receio de ter que pagá-los se o trabalhador entrar na Justiça após a demissão. Já o trabalhador por conta própria tradicional não recebe nenhum benefício.
Porém, desde 2009, o trabalhador por conta própria pode se tornar um microempreendedor individual (MEI), ou seja, pode ter um CNPJ e se formalizar. Neste caso, ele terá direito a alguns dos direitos do trabalhador formal, como aposentadoria de um salário mínimo e licença-maternidade, pagando apenas R$ 80 de impostos. Mas como esta contribuição é bem menor do que o valor presente dos benefícios, o financiamento destes acabará caindo na conta do contribuinte.
Do ponto de vista da empresa, ela também pode ser formal ou informal e tem várias opções de contratar trabalhadores. Pode contratá-los formalmente, pagando todos os encargos, o que aumenta seus custos do trabalho. Também pode fazê-lo informalmente, mas se arrisca a receber inspeções trabalhistas e ser multada. Vale notar que mesmo as empresas formais costumam contratar trabalhadores informais.
Em 2024, o Brasil tinha 103 milhões de trabalhadores ocupados, dos quais 41% tinham carteira assinada, 22% eram trabalhadores informais, 25% trabalhavam por conta própria, 8% eram funcionários públicos e 4% eram empregadores. Dentre os por conta própria, 25% possuíam CNPJ, entre eles os MEIs. Ou seja, dos 26 milhões de trabalhadores por conta própria, 19 milhões continuam sendo os tradicionais outsiders, mas cerca de 7 milhões deles agora são insiders. Mas muitos dos MEI estão inadimplentes, ou seja, não pagam nem mesmo os R$ 80 para terem direito aos benefícios. E cerca de 1 milhão e meio dos trabalhadores por conta própria são entregadores de comida ou motoristas de aplicativo.
Todos estes trabalhadores se beneficiaram do avanço educacional que ocorreu no Brasil nos últimos anos. Entre os empregados com carteira, a parcela que tinha pelo menos ensino médio completo passou de 22% para 75%. Entre os informais, ela passou de 8% para 55%, ao passo que entre os trabalhadores por conta própria esta parcela aumentou de 10% para 58% e entre os funcionários públicos de 40% para 94%. Ou seja, mesmo entre os trabalhadores outsiders, houve um grande aumento escolaridade e, com isto, um maior conhecimento de seus direitos e o anseio de ter mais renda, pagar menos impostos e ter mais flexibilidade de trabalho.
O salário real também aumentou para todas as categorias nas últimas três décadas, mas o aumento foi bem diferenciado entre as categorias. O salário médio dos trabalhadores informais foi o que mais aumentou (85%), seguidos pelos funcionários públicos (58%), conta própria (21%) e por último os trabalhadores formais (15%). Estes aumentos foram concentrados entre 2004 e 2014, período de forte aumento do salário mínimo. Isto explica o grande aumento salarial dos trabalhadores informais, que têm salários muito concentrados em torno do salário mínimo, ao contrário das outras categorias.
O salário médio do conta própria com CNPJ (incluindo os MEI) era de R$ 4.500 em 2024, ao passo que aquele sem CNPJ ganha em média apenas R$ 2.000. Ou seja, o conta própria com CNPJ ganha em média mais do que o empregado com carteira (R$ 3.000) e menos que o funcionário público (R$ 5.700). Na verdade, muitos MEIs acabaram deixando o trabalho formal, mas ainda prestam serviço para apenas uma empresa, a chamada “pejotização”. Pode ser que seu salário seja maior do que o dos trabalhadores formais porque suas empresas não precisam pagar todos os encargos trabalhistas. Pesquisas indicam que metade dos MEI estão nesta situação. E muitos profissionais liberais que trabalham por conta própria estão no regime Simples, pagando bem menos impostos do que os trabalhadores formais que prestam os mesmos serviços.
Tendo em vista este emaranhado de situações, o que podemos fazer para tornar o mercado de trabalho brasileiro mais eficiente, para aumentar a nossa produtividade e o crescimento econômico? As tentativas cada vez mais frequentes de fugir dos encargos, seja por meio do trabalho informal, do MEI ou do Simples, deixam claro que grande parte das empresas e dos trabalhadores, sejam eles insiders ou outsiders, não consegue pagar os impostos e encargos associados ao trabalho formal.
Assim, reduzir os encargos trabalhistas e os impostos sobre as grandes empresas parece ser o melhor caminho para termos mais eficiência no mercado de trabalho. A maior parte da tributação deveria advir de impostos sobre a renda, independentemente da sua fonte, com maior carga proporcional sobre os trabalhadores e empresários com maior renda.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/encargos-impostos-e-meis.ghtml
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