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A educação transformou o Brasil?

Apesar dos avanços educacionais obtidos nas últimas décadas, há poucas evidências de que eles beneficiaram a sociedade como um todo

Valor

Dados do censo demográfico divulgados recentemente mostraram que houve um grande avanço no acesso ao ensino superior. A parcela da população adulta que completou este nível de ensino aumentou de 7% em 2000 para 18% em 2022. Ainda estamos distantes da parcela de 40% que prevalece nos EUA e na OCDE, mas já avançamos bastante. Será que já estamos conseguindo notar o poder transformador da educação na sociedade brasileira?

A figura mostra como a educação brasileira evoluiu nos últimos 32 anos. Em 1992, 82% dos adultos tinham no máximo o ensino fundamental. A parcela com ensino médio era de apenas 13% e os formados no ensino superior representavam somente 5% dos adultos. Menos de 0,5% eram pós-graduados. Aos poucos esta situação foi se transformando, com os avanços mais rápidos no ensino médio ocorrendo a partir dos anos 1990 e no ensino superior, como consequência disto, a partir de 2010.

Os diferenciais de salário trazidos pelo ensino superior com relação ao ensino médio, que refletem a escassez de pessoas com esta formação na sociedade, chegaram a duas vezes e meia no início deste século. Mais recentemente, a partir dos anos 2000, este diferencial começou a declinar, atingindo 2,3 vezes em 2024. Obviamente, do ponto de vista privado, ainda vale muito a pena fazer faculdade para a grande maioria que tem ensino médio, pois, enquanto as pessoas com ensino médio ganham em média R$ 2.665 por mês, aquelas com ensino superior ganham R$ 6.160. Um artigo recente mostra que o declínio recente do diferencial de salários do ensino superior pode estar refletindo o declínio da qualidade dos novos cursos, mais do que uma diminuição da escassez de profissionais1.

Mas, atualmente, o grande diferencial de salários está na pós-graduação, nível em que os formados atualmente ganham quase 2 vezes mais do que as pessoas com ensino superior, recebendo em média R$ 11.300. E este diferencial tem aumentado ao longo tempo, refletindo um aumento da demanda da sociedade por pessoas com mestrado ou doutorado.

Mas será que a sociedade como um todo já está se transformando como resultado deste aumento educacional? Isto não parece estar acontecendo. A nossa produtividade está no mesmo nível em que estava quando apenas 3,4% dos adultos tinham ensino superior. O único setor que tem aumento contínuo de produtividade é a agricultura, que emprega cada vez menos gente.

Além disto, a informalidade continua alta, assim como a criminalidade, e grande parte dos nossos jovens não têm nenhuma expectativa de trajetória profissional. Para as pessoas que completam uma faculdade, o diferencial salarial existe, ou seja, elas melhoram de vida, mas este aumento não parece estar beneficiando a sociedade como um todo. Com base nesta evolução educacional, esperaríamos que tivéssemos milhares de novos empreendedores em várias áreas, trabalhando nos setores tecnologicamente mais avançados, produzindo inovações de alto nível. Mas isto não aconteceu. Por que será?

Existem algumas explicações possíveis. Em primeiro lugar, pode ser que tenhamos regredido em todos os outros determinantes da produtividade, de forma que eles cancelaram os aumentos que teriam ocorrido devido à melhora educacional. Isto pode ter acontecido, mas é difícil acreditar que o país tenha regredido tanto em termos institucionais e de ambiente de negócios. Nos últimos 30 anos, acabamos com a hiperinflação, fizemos uma liberalização comercial, uma reforma trabalhista e construímos um sistema único de saúde. E estamos fazendo uma reforma tributária que deverá ter impacto na produtividade ao longo do tempo.

Outra possibilidade é que a qualidade da educação no Brasil seja tão baixa que a maior escolaridade dos brasileiros não aumenta a sua produtividade. Realmente, os dados de uma avaliação recente (TIMMS 2023) mostrou que 62% dos alunos brasileiros atingiram o nível mais baixo de proficiência no 8º ano. Mas, neste caso, é difícil entender por que as empresas pagam salários duas vezes mais alto para as pessoas com ensino superior se elas não trazem ganhos de produtividade com relação aos formados no ensino médio.

Nossa produtividade está no mesmo nível em que estava quando apenas 3,4% dos adultos tinham ensino superior

Parece que a resposta para estas indagações envolve uma mistura de coisas. O diferencial de salários do ensino superior varia muito entre as pessoas. Para muitas delas, especialmente as que tiveram uma qualidade de ensino muito ruim no ensino básico, o ensino superior serve apenas para a aquisição de um conhecimento básico, além de ser uma credencial para conseguir determinados empregos. Além disto, muitas pessoas que frequentaram faculdades de qualidade podem estar se dedicando a atividades que geram grandes retornos privados, mas que não beneficiam a sociedade como um todo.

Mais ainda, o nosso ambiente institucional, apesar de ter avançado nas últimas décadas, ainda está longe de ser comparável aos países da OCDE, por exemplo. O sistema tributário ainda é bastante complicado, incentivando as pequenas empresas a permanecem no setor informal e desincentivando sua expansão. Além disto, o setor público é ineficiente em várias áreas e há pouca aproximação entre a ciência produzida nas universidades e o mundo empresarial. Ainda é mais fácil para a maioria das grandes empresas ganhar dinheiro fazendo lobby em Brasília do que investindo em inovações.

Em suma, apesar dos avanços educacionais obtidos nas últimas décadas, há poucas evidências de que eles beneficiaram a sociedade como um todo. Para que isto ocorra, será necessário melhorar dramaticamente a qualidade da nossa educação, mudar o sistema tributário para incentivar as empresas a crescerem e inovarem, aproximá-las das universidades, aumentar a eficiência do setor público e aumentar ainda mais as matrículas no ensino superior nas áreas de ponta. Ainda temos um longo caminho pela frente.

  1. Why is the College Premium Falling? The Role of Composition, Tomas Guanziroli, Ariadna Jou e Beatriz Rache

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-educacao-transformou-o-brasil.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho