Na crise financeira de 2008, os EUA foram o porto seguro; medidas do presidente americano alteram profundamente a estrutura que vigora no comércio global há 80 anos
Estadão
Há semanas, o mundo vive em função das tarifas comerciais impostas por Trump sobre importações americanas de um grande número de países. Será assim por um bom tempo. As medidas de Trump alteram profundamente a estrutura que vigora no comércio global há 80 anos, desde a Segunda Guerra Mundial. É uma crise única na história recente.
Ficamos acostumados a lidar com crises originadas no mercado financeiro, como a quebra dos chamados Tigres Asiáticos, em 1997; da Rússia, em 1998; e a crise de 2008, nascida de uma falha regulatória no sistema financeiro americano, que gerou uma distorção no mercado imobiliário. A crise de 2008 foi a mais grave e profunda, com consequências sentidas até hoje.
Nessas crises, os governos atuaram juntos para sanar os problemas. Os EUA lideraram o trabalho. Na crise de 2008, o governo americano gastou US$ 1 trilhão para evitar o pior. Foi o porto seguro. Agora, é diferente: os EUA são a fonte de turbulência.
A elevação das tarifas vai gerar consequências negativas para todos. Os movimentos do mercado financeiro na semana passada indicam isso. Não é sem razão que a divulgação das tarifas e as rápidas reações de outros países, em especial da China, levaram à queda generalizada dos ativos. Bastou Trump anunciar um recuo estratégico, de 90 dias, para os mercados se recuperarem um pouco.
O discurso de Trump pode ser de vitória, mas não há ilusão: um mundo com tarifas crescerá menos. Os EUA podem ter mais inflação e menor crescimento. Reverter a dinâmica do comércio mundial com uma canetada vai levar a meses, talvez anos, de turbulência. Não há razão para crer que, ao fim, as indústrias terão voltado a produzir nos Estados Unidos, tornando o país ainda mais rico. As empresas podem só aumentar os preços do que é produzido nos Estados Unidos, devido ao encarecimento dos concorrentes importados.
Apesar de estar entre os países menos afetados, com uma taxa de 10% (além dos 25% sobre o aço), o Brasil sentirá efeitos indiretos: as exportações serão afetadas pelo menor crescimento mundial. Felizmente, temos um ativo importante, que são as reservas internacionais de US$ 336 bilhões. A maior parte das reservas foram construídas por nós durante minha gestão no Banco Central. Elas permitem que o Brasil não corra mais o risco de ficar sem dólares para honrar compromissos.
Essa é a razão de não haver corrida quando há uma saída de dólares, como no fim do ano passado. Como eu sempre digo, as reservas permitem à economia brasileira aguentar alguns desaforos.
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