Folha
Arminio Fraga, em um evento em Harvard, afirmou que teremos que congelar o valor real do SM (salário mínimo) por seis anos. Isto é, elevar o SM apenas de acordo com a inflação. A afirmação é polêmica e gerou inúmeras reações.
O SM tem dois papéis. Primeiro, ele é a remuneração mínima para um trabalhador com contrato de trabalho formal regido pelas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Segundo, ele é o valor mínimo para o benefício de diversas políticas sociais, como o mínimo pago pela Previdência Social e o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Como indexador da remuneração mínima do contrato de trabalho CLT, não há grandes problemas. Ele pode ser reajustado sem grandes efeitos colaterais. Evidentemente, se o valor fixado for muito maior do que a produtividade de um trabalhador desqualificado, as empresas não vão topar pagar e haverá o efeito colateral de estimular a informalidade.
No entanto, como indexador do valor mínimo do benefício de diversos programas sociais, há o efeito colateral de aumentar o déficit público. O grande problema é que a dívida pública está em trajetória explosiva, o que coloca em risco a estabilidade da economia.
Se houver elevação do valor real do SM, todas as políticas públicas a ele vinculadas crescerão mais do que a economia. O déficit público aumentará. Em algum momento haverá uma crise profunda, como tivemos de 2014 até 2016, e os ganhos para os mais pobres serão perdidos. Enquanto a dívida pública estiver em trajetória explosiva, os aumentos do SM terão que ser em função da inflação passada e teremos que mudar o indexador do gasto mínimo da União com saúde e educação.
O historiador e jornalista Eduardo Bueno, conhecido por Peninha, autor de excelentes livros de história do Brasil, que tem um canal de divulgação de nossa história, o canal Buenas Ideias, agrediu pesadamente Arminio Fraga por conta da opinião de que temos que congelar o valor real do mínimo por alguns anos. Para Peninha, Arminio é desprezível, repugnante, repulsivo e escroto.
Arminio é dos melhores economistas que o país tem. Ficou rico com uma carreira de muito sucesso no setor privado. Teve algumas passagens muito exitosas no setor público. Foi um dos principais responsáveis pela construção do arcabouço de política macroeconômica que propiciou os ganhos econômicos e sociais dos oito anos da presidência de Lula nos anos 2000. Hoje, além da atividade privada, dirige e financia uma organização com foco na busca de políticas públicas que melhorem a saúde pública do Brasil e outra que investiga a mobilidade social no país, entre outras inúmeras iniciativas.
Difícil imaginar uma pessoa mais preocupada com o desenvolvimento econômico e social do Brasil do que Arminio Fraga.
Ademais, infelizmente Peninha não fez a lição de casa. No vídeo, afirmou que o salário mínimo no governo FHC caiu 4,82%. Segundo meu colega do FGV IBRE Manoel Pires, que foi secretário de Política Econômica no segundo mandato de Dilma Rousseff, quando Nelson Barbosa era ministro, o ganho real do salário mínimo nos oitos anos de FHC foi de 40%, ante 47% no governo Lula.
Vivemos uma situação fiscal gravíssima. O risco de perdemos a estabilidade de preços, tão duramente construída, é real. Que um historiador e jornalista de relevo demonstre tanta agressividade, grosseria e intolerância documenta que perdemos há tempos a civilidade.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/04/por-que-temos-que-congelar-o-valor-real-do-salario-minimo.shtml
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