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Arcabouço: o breve

Estadão

Aos criadores do “arcabouço fiscal” – o mesmo que o ministro Haddad garantiu em 2023 ter “vida longa” – deve-se também a invenção de uma peculiaridade nacional: a despesa negativa.

Não brinco. Segundo as projeções do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, as despesas discricionárias do Executivo em 2029 atingiriam R$ 43 bilhões negativos, decorrência direta da suposta “vida longa” do arcabouço.

Esta regra permite que as despesas primárias (já com algumas deduções; afinal de contas, ninguém é de ferro) cresçam ao ritmo de 2,5% ao ano acima da inflação. Todavia, as obrigatórias costumam crescer a uma velocidade maior, impulsionadas pelo aumento real do salário mínimo, pela demografia, pela expansão sem muito critério de programas sociais e pela vinculação de certos gastos à receita.

Assim, apesar da subestimação da evolução futura das despesas obrigatórias, elas crescem mais rapidamente do que o total. Logo, o ajuste – na planilha, jamais na realidade – recai sobre o gasto discricionário, que inclui o funcionamento da máquina federal, além dos investimentos. Moral da história: este tem de encolher para garantir que o teto do arcabouço seja respeitado, ao menos no papel. Encolheria tanto que em 2029 cruzaria a fronteira do zero.

É evidente que isto jamais ocorrerá. Bem antes disto – na verdade, segundo o próprio governo, em 2027 – não será mais possível conciliar o arcabouço com a manutenção da máquina pública. Na prática durará menos do que o teto de gastos concebido pela equipe econômica de Michel Temer, para desgosto do ministro da Fazenda.

Há duas alternativas para lidar com o problema. A primeira consiste em reformar as regras que determinam a evolução do gasto obrigatório. Se o leitor quiser acreditar nesta possibilidade, tenho também um carro pouquíssimo usado à venda.

A alternativa bem mais provável envolve mudar, de alguma forma, o próprio arcabouço. É possível fazê-lo de forma aberta, isto é, pelo envio de novo projeto de lei, garantindo que “daqui para frente, tudo vai ser diferente”. O carro segue disponível para quem confiar nesta promessa.

É possível também excluir mais algumas despesas das regras. Parte dos gastos com precatórios, por exemplo, já não faz parte do limite legal até 2026. Nada impede que os deuses do Olimpo – perdão, os ministros do STF – decidam estender essa colher de chá por mais alguns anos.

Obviamente isto não impedirá que a dívida do governo cresça. Quem quiser se enganar, sinta-se à vontade – e me procure pelo carro.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/arcabouco-o-breve/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.


Sobre o autor

Alexandre Schwartsman