PlatôBR
O Brasil chegou ao limite de taxa de juros, na avaliação do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo. Com a alta de 0,5 ponto anunciada na última semana, os juros reais no país são o terceiro maior no mundo, menor apenas do que na Turquia e na Rússia.
“Existe um certo esgarçamento do instrumento taxa de juros quando você chega a um nível de juros tão elevado quanto temos agora”, diz o ex-diretor do BC.
“Muito mais do que isso, na minha opinião, é contraproducente. O mercado sabe que não dá para o BC levar o juro para 20% ao ano. Então, ele entende que atrapalha muito essa política fiscal e parafiscal em outra direção”.
Figueiredo foi diretor do Banco Central, com Armínio Fraga no comando da instituição, no final do governo Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, preside o conselho de administração da JiveMauá Investment.
Em entrevista ao PlatôBR, Figueiredo avalia que, por mais que o BC faça um ajuste fino nas próximas reuniões, e suba mais 0,25 ponto percentual a Selic, ‘não há muito mais o que fazer’ e o mercado financeiro sabe disso. Daí, a persistência de expectativas elevadas para inflação futura, nas pesquisas semanais do boletim Focus.
O ex-diretor do BC comenta também o cenário internacional. Diz que Donald Trump veio “na versão mais maluca possível”, apostando em uma ideologia que já foi derrubada por fatos e pela história recente.
Leia abaixo os principais trechos da nossa conversa com Luiz Fernando Figueiredo que está registrada também em vídeo.
O Banco Central seguiu com o ciclo de elevação da taxa Selic, referência para a economia, e o Brasil tem a terceira maior taxa de juros real. O que isso significa?
Primeiro, a gente tem que entender por que é que o Brasil precisa ter uma taxa de juros tão alta. Por que será que ele tem que ser o terceiro do mundo? Eu diria que você tem duas razões para isso. A primeira delas é que a taxa de juros do Banco Central se refere somente à metade da base de juros para o crédito no Brasil. Metade do crédito é um crédito subsidiado que o custo independe do ciclo econômico. O que quer dizer? Com metade, você precisa fazer o efeito para o todo. Então, por isso, exige mais da própria taxa de juros. O segundo ponto é que temos hoje um antagonismo de políticas. O Brasil está precisando esfriar um pouco a economia para que a inflação esfrie um pouco à frente. A nossa economia está muito forte, o desemprego está na mínima histórica, com alguma pressão inflacionária e com receio de que inflação dispare. Nesse processo de esfriamento, o BC usa a taxa de juros. O resto do governo está fazendo um trabalho enorme para aumentar a demanda através de crédito e uma série de outras atitudes que vão na direção contrária ao BC. Como carro tem que desacelerar, o BC usa mais juros. Se o governo não tivesse antagônico ao banco Central na política fiscal e parafiscal, o Banco Central poderia ser muito mais suave no aperto monetário.
O BC tem reiteradamente levantado a questão das expectativas do mercado financeiro para a inflação futura. O Banco Central está com dificuldade de coordenar essas expectativas. A política monetária é o instrumento para combater essa inflação alimentada muito pelas expectativas e pelo câmbio?
O Banco Central, nesse sentido, é refém da política do outro lado, que está acelerando e está atrapalhando a vida dele e a meta dele, que é trazer a inflação para um nível mais baixo. O BC não tem o que fazer. As expectativas são o que as pessoas acreditam que vai acontecer lá na frente. Quando elas vêm esse antagonismo de políticas e fazem a conta, vêm que o BC tem tem que subir muito mais o juro. Só que a partir de um certo ponto já não vale a pena subir muito mais porque o efeito é baixo e o custo é muito alto. Você dá um remédio, mas tem que tomar cuidado porque se der uma dose muito forte, mata o paciente.
E a gente já chegou nesse ponto?
Acho que sim. Existe um certo esgarçamento do instrumento taxa de juros quando você chega a um nível de juros tão elevado quanto temos agora. Muito mais do que isso, na minha opinião, é contraproducente. O mercado sabe que não dá para o BC levar o juro para 20% ao ano. Então, ele entende que essa política fiscal e parafiscal em outra direção atrapalha muito.
Desde setembro, quando o Banco Central iniciou o ciclo de elevação da taxa Selic, as projeções de inflação de médio e longo prazo, pelo boletim Focus, só sobem. Se o BC está comprometido, o que está acontecendo?
Graças a Deus que o Banco Central é autônomo, porque, pelo menos uma das das políticas, está andando pelo lado certo. Se o BC estivesse na linha do governo, estaríamos com uma inflação tranquilamente superior a 10% ao ano, talvez a mais. Agora, como o Banco Central só produz uma parte do remédio e tem o outro lado indo na direção oposta, o mercado está vendo que o Banco Central só consegue ir até um certo limite. Quando as expectativas sobem assim é pela noção de que esse antagonismo de política vai permanecer, principalmente, no ambiente onde o governo está com uma popularidade muito baixa e diz que o que interessa agora é a eleição.
Se batemos no limite de alta da taxa de juros, o que acontecerá? A inflação vai para onde, vai continuar subindo?
Apesar de o governo estar acelerando, o que está predominando levemente é o aperto monetário. A atividade econômica está desacelerando muito devagar, de maneira incompatível com uma política monetária tão austera. O caminho, que é gradual demais, está sendo na direção certa. Não parece que a gente vai ter uma nova aceleração da inflação se essa desaceleração da economia continuar a acontecer gradualmente. Algumas coisas também ajudaram: o câmbio apreciou do final do ano para cá, o preço do petróleo caiu, as outras commodities também caíram levemente. Teve uma ajuda do lado da oferta que tranquilizou um pouco as expectativas. Tanto que elas pararam de subir.
Nos dias que antecederam o Copom, o mercado estava prevendo que o BC poderia parar de subir ou anunciar uma alta menor, de 0,25 ponto. O presidente do Banco Central precisou realinhar as expectativas e fez o mercado convergir para uma alta de 0,5 ponto, que se confirmou. Na sua avaliação, o BC está se comunicando bem?
Eu não acho que o Banco Central esteja se comunicando mal. Esses processos sempre têm algum tipo de ruído, o BC não tirou todo mundo da visão mais correta. As coisas não são lineares. A própria atitude do governo, por exemplo, criou uma enorme expectativa de um bom pacote fiscal para dezembro. De repente, veio um fiasco gigantesco. Como é que o Banco Central se vira nessa situação? É difícil. Acho que diante desse ambiente, que não é trivial, está bem ok.
Nos últimos dias, muita gente vem dizendo que o Banco Central está atuando meio a reboque do mercado ao invés de liderar o mercado.
O economista brasileiro, em geral, é meio preciosista. Acho que o BC está certo no que está fazendo. Um pouco de ruído vai acontecer sempre, não tem jeito. Principalmente nesse ambiente tão ruim. Existe, sim, uma preocupação que eu acho que é correta do mercado: se o Banco Central atual vai se manter independente, autônomo de fato. Essa preocupação já reduziu muito por mérito dessa turma do BC. Mas ainda existe um pouco de dúvida que faz parte do jogo.
O que você acha que vai definir isso, quando essa dúvida vai passar? O que é preciso acontecer para o mercado se convencer e parar de questionar a autonomia do BC?
Atitudes na direção correta. O Banco Central não tem que acertar todas. Isso não existe, mas que ele siga a linha que ele tem seguido. Como o presidente (Lula) criticava o presidente do Banco Central anterior e, hoje, elogia, então, sempre fica aquela pulga atrás da orelha. Mas é verdade que o Banco Central tem se mantido absolutamente correto, com uma visão técnica. Você não precisa concordar com todas as decisões, mas de uma base técnica boa. Ele precisa de mais decisões na mesma direção.
Chegamos no momento de uma parada técnica no ciclo de alta dos juros?
Cada BC tem o seu estilo. Pode ser que ele faça mais 0,25 ponto ou não. Agora, é muito ajuste fino. O juro já está alto mesmo. Daqui pra frente vai ser contraprodutivo, mesmo que demore mais para você chegar à meta. Temos que tomar cuidado para não esgarçar o instrumento. Tem que parar e ficar o tempo que for necessário para que algumas surpresas do ponto de vista positivo ajudem e, no final, não tenha que ficar muito tempo assim, com o juro tão elevado.
O BC brasileiro e o americano sinalizaram dificuldade de ter maior clareza do cenário futuro. Como a política monetária demora de 6 a 18 meses para surtir efeito na economia real, as decisões de hoje vão impactando a economia e a inflação lá no final do ano que vem. Como o BC consegue trabalhar? Está olhando o que, só a inflação corrente?
Não é só uma base técnica, numerologia. Tem um pouquinho de arte. Porque alguns momentos você tem um cenário claro à sua frente, com poucos riscos de mudar e consegue antecipar o que se vai fazer. Mas tem momentos em que você tem flecha para tudo quanto é lado e o que o BC tem que fazer é reagir bem ao que está acontecendo. Não é que ele não esteja projetando, nem olhando para frente.
Só que o ambiente pode mudar tanto e está tão fora do controle dele que, quando a incerteza aumenta, você tem que continuar o que está fazendo, talvez, com mais calma. E fique pronto para reagir a uma mudança importante de cenário, porque ela pode acontecer. O Banco Central reagir bem em dado momento é muito melhor do que tentar antecipar coisas que podem não se concretizar. Não vou tomar antibiótico antes de ter a certeza de que eu estou precisando.
Havia uma aposta forte de que uma recessão mundial já estava contratada pela política protecionista do presidente americano Donald Trump. Agora, alguns analistas dizem que talvez o impacto não seja tão grande assim na economia mundial. Como você avalia esse cenário pós tarifaço?
Donald Trump veio na versão mais maluca possível, apostando numa ideologia que ele tem há muitos anos de que déficit comercial quer dizer que quem tem superávit comercial contra eles é o malvado e está fazendo mal para os Estados Unidos. A história, os fatos não corroboram essa ideologia. Ele acredita numa coisa que é a realidade dos últimos 20, 30 anos nos diz que foi exatamente o contrário.
O déficit comercial produziu uma riqueza gigantesca para os Estados Unidos, para as companhias americanas, para a sociedade americana. Mas ele segue essa ideologia e não fica pensando muito no custo dela. Se aquilo tivesse perdurado, simplesmente iria isolar os Estados Unidos do resto do mundo. Eu não diria que os EUA entrariam numa recessão, mas numa depressão. Mas a realidade acaba sempre se impondo.
O que aconteceu para as empresas americanas foi um choque brutal. O valor das ações das maiores empresas do mundo, que são todas americanas, caiu 30, 40%. Como é que elas vão continuar a atividade se têm dificuldade de vender, de comprar e o custo do capital dobrou? A pressão em cima dele foi muito grande com dados da realidade, do que ele estava provocando.
E o que acho mais importante, o prêmio de risco da dívida americana aumentou muito. Nos leilões semanais de títulos, não é que faltou demanda, mas rareou. E quem já trabalhou em governo sabe que o maior problema de um governo é o risco de rolagem da sua dívida. Esse tipo de risco é completamente intolerável. No final, essas duas coisas somadas fizeram ele reduzir para 10% para todo mundo, com exceção da China.
Ele recuou porque precisou, não porque acredita.
Exatamente. Na minha visão, isso é muito mais para valer do que não.
Isso é suficiente para brecar a ideologia do presidente Donald Trump?
A realidade, no final, se impôs e mudou a atitude dele. Ele vai brincar. A indústria cinematográfica vai pagar 100% de imposto se for de fora dos Estados etc. Essas “brincadeiras” ele vai continuar fazendo porque ele acredita nisso. Mas de uma maneira macro, sistêmica, acho que é difícil que ele brinque de novo. O que quer dizer isso? Que a economia americana vai deixar de ficar totalmente isolada.
Vai ter um custo maior para exportar para os Estados Unidos, mas mais palatável. Vamos ver alguns altos e baixos, mas ele não vai dar tanto tiro no pé assim. Provavelmente vamos ter ao longo do tempo um pouco mais de tarifa americana. A China, com mais. O resto do mundo, menos. No final, na ótica dele, haverá um avanço com o resto do mundo.
Mas, nesse cenário, o resto do mundo estará se reposicionando e buscando alternativas para não depender tanto dos EUA. O Brasil está reforçando sua parceria com o Sudeste Asiático. E os Estados Unidos são os que mais vão perder. Só que eles perdendo também tem um impacto mundial, não?
Sem dúvida, impacto vai ter. Só que é um impacto que o mundo consegue conviver e, com o que estava acontecendo, não dava para conviver. O maior impacto será nos Estados Unidos. E, sim, o mundo vai procurar outros canais para negociar. A demanda que tem nos Estados Unidos, dificilmente você consegue recuperar em outros mercados, mas pode conseguir parcialmente.
O mundo vive com mais inflação com fim da pandemia da Covid. Esse protecionismo americano vai gerar um novo salto de inflação no mundo?
Sem dúvida que ela vai aumentar. A dúvida é: será muito, pouco, algo temporário ou perene? Teremos um processo inflacionário acontecendo a partir daqui. A versão mais racional do Trump, com o mundo pagando em torno de 10% de tarifas, a China um pouco mais, provavelmente, não trará muita inflação e será um fenômeno temporário. Se for a versão hardcore, maluquete do Trump, aí estamos falando de uma outra história, de o mundo entrar realmente numa recessão braba.
Nesse pior cenário, é o caso de o Brasil rever a meta de inflação, que hoje está em 3% ao ano?
No Brasil, existe essa crença de que 3% é uma inflação muito baixa. Essa é a média dos países emergentes. Nos mais desenvolvidos, a meta é 2%. Então, a gente achar que deveria ter mais inflação, não tem nada mais pesado, ruim para os mais pobres. Não tem sentido. O Brasil já viveu processos de inflação alta e sabe o quanto isso é penoso. Hoje, 3% ao ano parece uma inflação baixa porque o governo vai fazendo tudo errado.
Temos um Banco Central firme e o governo com políticas que vão na direção errada. Criticamos o Donald Trump, mas o governo, do ponto de vista fiscal e de gerar um melhor ambiente para frente, está fazendo tudo errado. Se, em vez de expandir o governo estivesse segurando, teríamos uma situação fiscal percebida muito melhor, uma dívida que ia parar de subir e, com isso, o benefício é que a taxa de juros poderia ser muito mais baixa.
Com essa política atual, temos um déficit nominal, que é quase 10% do PIB. Com um pequeno ajuste ou um caminhar na direção correta, provavelmente, o déficit nominal seria de 5%, 6%, 4% do PIB, um ambiente muito melhor, com mais crescimento, menos inflação. A gente está teimando em ir para o lado errado e já vimos que não funciona, mas o governo tem essa ideologia e está nessa situação de baixa popularidade e achando que vai ajudar para que ele se reeleja no final do ano que vem.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem reafirmado constantemente o modelo de crescimento baseado no consumo interno e no investimento e que esse momento, inclusive, é propício para atração de mais investimento para o Brasil. É uma alternativa?
O que ele está falando é o que a gente vive aqui. Só que, para ter isso, é preciso criar as condições e este governo não está criando essas condições. Tivemos uma saída gigante de capital estrangeiro do mercado de ações, durante o último ano e meio. Quase sem precedentes. Não é porque as pessoas estão gostando mais do Brasil, mas porque estão se desapontando com o Brasil. Simples assim. E isso vale para investimento direto também.
O governo está apostando no ingresso de mais investimento no Brasil, até porque as parcerias comerciais estão sendo reavaliadas.
O Brasil tornou o ambiente pior para investimentos. Hoje, existe uma insegurança maior com o Brasil do que existia antes. E a consequência disso é que os investimentos estão diminuindo. Apesar do ministro Haddad, que está tentando produzir as condições para que o Brasil seja um polo para investimento. Mas, com o resto do governo, não é isso que está acontecendo. Tem um aspecto mais geopolítico de longo prazo em que o Brasil se torna um lugar interessante, principalmente com essas disputas internacionais. Então, por exemplo, para o governo chinês, o Brasil é cada vez mais estratégico. Os americanos nunca deram muita bola para o Brasil. Só que para os chineses você está ficando mais e mais interessante e a China tem investido no Brasil em vários setores.
Este ano, o BC completou 60 anos de uma história que passa por hiperinflação, reestruturação sistema financeiro, Sistema Brasileiro de Pagamentos, PIX. Para onde vamos agora? Quais são os grandes desafios para o Banco Central?
Eu diria que temos basicamente duas questões muito relevantes. Uma delas é perpetuar a autonomia do Banco Central. Passamos no ano passado por um teste muito grande. O governo pressionou muito, mas o Banco Central se mostrou firme. Com um BC autônomo, o país é de outra qualidade. O segundo ponto foi uma mudança gigante, muito positiva, que é a modernização do sistema financeiro, do acesso das pessoas ao mercado de capitais etc.
É uma coisa que se fala pouco, mas mudanças estruturais fazem toda a diferença. Conjuntura, você vai lidando, vai passando os obstáculos e não deixa de ser importante. Mas o que você deixa de legado estrutural faz grande diferença. Será que teremos continuidade ou não? O ex-presidente Roberto Campos Neto sempre foi muito ligado a tecnologia. Ele tem um conhecimento como poucos banqueiros centrais no mundo. O Brasil assumiu a liderança nesse processo.
Será que a atual equipe vai ter condição de fazer? Eu espero que sim. Mas tem uma questão que não é qualidade ou defeito, mas é uma característica do Roberto. Não acho que o Banco Central irá em outra direção, mas ter o nível de entrega que tivemos, será um desafio.
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