Ganho salarial de ter ensino superior com relação a cursar só o ensino médio é de 31% em universidade pública
Valor
O ensino superior mudou muito no Brasil nas últimas décadas. Até os anos 1990, quase 40% dos matriculados estudavam em universidades públicas, e somente a elite fazia faculdade. A partir desta época, o setor privado foi sendo desregulado e começou a crescer, incluindo a classe média. Além disto, o processo de entrada foi simplificado, com o uso das notas do Enem e do sistema de acesso unificado (Sisu). Nos anos 2010, as cotas democratizaram o acesso às universidades públicas. Por fim, mais recentemente, houve uma grande expansão do ensino superior à distância, que aumentou ainda mais o acesso, mas trouxe grandes preocupações com relação à qualidade do ensino.
Ao mesmo tempo, sucessivos governos foram desenvolvendo um sistema de avaliação de aprendizado e de acompanhamento dos alunos bastante sofisticado, que tem facilitado a pesquisa acadêmica de alto nível. Hoje em dia, podemos acompanhar os mesmos alunos desde que eles entram na pré-escola até a sua saída do mercado de trabalho. Sabemos com quantos anos eles entraram na pré-escola, como foi seu desempenho nas avaliações do ensino fundamental, quais foram as suas notas no Enem, se eles entraram no ensino superior, se encontraram um emprego formal e quanto ganhavam neste emprego.
Com estes dados, várias pesquisas interessantes estão sendo desenvolvidas no país, com métodos estatísticos sofisticados, cujos resultados deveriam ser utilizados no desenho das políticas públicas. Um estudo recente, por exemplo, comparou o diferencial de salários entre alunos que fizeram ensino superior e os que concluíram apenas o ensino médio, mas que tiraram as mesmas notas no Enem (1). Será que vale mesmo a pena fazer ensino superior no Brasil? Que cursos têm maior retorno salarial? Que tipos de alunos são mais beneficiados? Conhecer estas respostas é importante tanto do ponto de vista individual como empresarial e de gestão pública.
Esta pesquisa mostra que o ganho salarial de ter ensino superior com relação a cursar somente o ensino médio é de 31% nas universidades públicas e de 17% nas faculdades privadas, com e sem fins lucrativos, entre os trabalhadores com carteira assinada. Em termos de equidade, os diferenciais médios são maiores para as mulheres do que para os homens, mas menores para os negros do que para os brancos. Isso mostra que os negros enfrentam barreiras adicionais no mercado de trabalho, mesmo entre os que cursaram ensino superior. Além disto, os alunos com mães menos escolarizadas são os que mais se beneficiam do ensino superior, principalmente na universidade pública. Por fim, o retorno tende a ser maior quanto melhor foi o desempenho do aluno no Enem.
Mas, o diferencial salarial varia muito entre os cursos. Em primeiro lugar, o valor adicionado na universidade pública tende a ser maior em todos os cursos. Além disto, os cursos de tecnologia de informação são os trazem maiores retornos salariais médios hoje em dia. Em seguida, temos os cursos de engenharia, saúde (medicina), economia, administração e direito. Já os diferenciais salários médios dos cursos de veterinária, matemática, ciências naturais, pedagogia, artes e humanidades oferecidos no setor privado são muito baixos. Ou seja, os formados nestas áreas ganham em média praticamente o mesmo do que os que cursaram apenas o ensino médio. Talvez isso explique porque não houve grande aumento de produtividade no Brasil, apesar do grande aumento de matrículas no ensino superior. Será que vale a pena financiar as matrículas de alunos nestes cursos com dinheiro público?
O que aconteceu depois que as cotas foram introduzidas nas universidades públicas? Outro estudo recente mostra que as cotas provocaram uma grande mudança na composição dos alunos dos cursos mais seletivos nas universidades públicas (2). Mas, apesar desta grande mudança de composição, não houve aumento da evasão, ou seja, os cotistas conseguiram superar os obstáculos que encontraram durante o curso. Além disto, como os alunos que não competem pelas cotas têm mais alternativas para cursar o ensino superior em outras faculdades do que os cotistas, porque têm mais recursos, o sistema de cotas acaba transferindo renda dos alunos mais ricos para os mais pobres, ao mesmo tempo em que aumenta o número de matrículas no ensino superior. Isto se os alunos mais ricos não forem estudar no exterior para evitar esta perda.
Parte significativa da expansão do acesso ao ensino superior ocorreu em cursos que acrescem pouco valor para alunos
Outra questão importante diz respeito às consequências da grande expansão do ensino superior à distância no Brasil. Uma pesquisa recente com dados brasileiros investigou justamente esta questão (3). A pesquisa começa mostrando que se em 2010 somente 17% dos novos alunos escolhiam programas online, esta parcela passou para mais de 65% hoje em dia. Os resultados estatísticos mostram que o preço da mensalidade dos cursos à distância é bem mais barato do que o dos cursos presenciais, pois seus custos também são bem mais baixos.
Porém, a qualidade dos cursos oferecidos à distância, em termos de valor adicionado para o aluno, também é inferior à dos cursos presenciais. Assim, se por um lado o ensino remoto expande o acesso para alunos que não teriam frequentado a faculdade de outra forma, por outro ele afasta parte dos alunos dos programas presenciais, que têm qualidade superior, especialmente os mais jovens. Se o valor adicionado por uma parcela significativa dos cursos privados presenciais já era muito baixa, o que podemos esperar do retorno destes cursos quando oferecidos à distância?
Em suma, as mudanças que foram introduzidas no ensino superior nas últimas décadas produziram vários efeitos na sociedade. Houve grande aumento de matrículas e democratizou-se o acesso tanto no setor privado como nas universidades públicas. No entanto, uma parte significativa desta expansão ocorreu em cursos que acrescentam pouco valor para os alunos. O crescimento do ensino à distância acentuou este problema, atraindo alunos jovens que fariam cursos presenciais oferecendo preço e qualidade mais baixos. Resta saber o que o Ministério da Educação pretende fazer com os resultados destas pesquisas.
- “For-Profit Higher Education Wage Returns: Evidence from Brazil” por Estevan, Vieira, Teixeira, s Rodrigues e Azzoni.
- Affirmative Action in Centralized College Admissions Systems” por Barahona, Dobbin e Otero.
- “The Effects of Widespread Online Education on Market Structure and Enrollment”, por Barahona, Dobbin, Fuenzalida e Otero.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/naercio-menezes-filho/coluna/o-valor-adicionado-pelo-ensino-superior.ghtml
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