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‘Brasil entrou no tarifaço por um canal político, e isso não podemos aceitar’, diz Armínio Fraga

Estadão

Para o economista e ex-presidente do Banco CentralArmínio Fraga, o Brasil foi alvo do tarifaço do presidente americano, Donald Trump, por um componente diferente do de outros países: o viés político. Segundo ele, isso representa uma interferência inaceitável na democracia do País, que, apesar de imperfeita – como todas -, permanece em pleno funcionamento.

Fraga diz que ainda é cedo para medir o impacto das medidas sobre a macroeconomia do Brasil e que a lista de exceções à alíquota de 50% trouxe um certo alívio, mas “ainda é um problema muito grande”. Ainda assim, ele entende que no campo político Trump não vai conseguir o que quer do Brasil “de jeito nenhum”.

Sobre a postura do governo brasileiro, ele defende que é preciso ter paciência para negociar, mas que as demandas de Trump tornam as negociações mais difíceis. Ele afirma que o Pix é uma “ameaça modernizadora maravilhosa” que, em algum momento, será abraçada pelos próprios americanos.

Fraga defende que o governo Lula reposicione sua política externa, que tem sido “exótica” ao se aproximar de países governados por ditadores. E deve aproveitar a crise para reduzir barreiras comerciais para aumentar produtividade.

O governo americano oficializou o tarifaço de 50%, mas com uma lista grande de exceções. Qual a sua visão sobre isso?

O tarifaço é uma experiência única, e, como economista, digo que é uma barbaridade, um retrocesso. O período de integração global vinha gerando bons resultados, mas recentemente tivemos a pandemia, a guerra na Ucrânia, eventos que deixaram as coisas mais conturbadas. Aí, chega o Trump e joga essa bomba protecionista, com ideias ainda não muito claras. Falava-se muito de trazer empresas para os Estados Unidos, mas várias dessas empresas não empregam mais.

E o Brasil?

O Brasil entrou nessa história por um canal diferente, claramente um canal político explícito. Esse é um troço muito diferente: ele acenou com 50% de tarifa, que é muito e, para vários setores importantes, é fatal ou quase. E veio a lista de exceções. Está todo mundo respirando um pouco aliviado, mas ainda é um problema muito grande. Acho que o que diferencia o Brasil é o lado político. Isso está gerando repercussões aqui dentro.

Em que sentido?

Eu sou brasileiro; o que eles têm que se envolver no funcionamento da nossa democracia? Ela é imperfeita, como todas, mas funciona. Tem um que reclama do Judiciário, outro que reclama do Supremo (Tribunal Federal). Você pode ter a opinião que for, as razões são naturais, mas é o nosso (país). Esse aspecto é pesado, não dá para a gente aceitar.

E do ponto de vista econômico?

Tem muita coisa aqui no Brasil que pode melhorar. Do ponto de vista de comércio internacional, o Brasil está parado com muitos aspectos protecionistas, não são apenas as tarifas. Foi publicado recentemente pelo Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), coordenado pelo Daniel Gleizer, um estudo espetacular sobre esse tema. Eu defendo há décadas que o Brasil se engaje num processo de abertura comercial unilateral. Agora, acho que é preciso ter um pouco de paciência para tentar negociar o que for possível. Há algumas áreas em que o Brasil tem coisas a oferecer, não está muito claro, como as terras raras. Acho que o Pix é uma ameaça modernizadora maravilhosa. Os próprios americanos, em algum momento, vão dizer: eu também quero. Todo mundo vai querer. Eu acho que pelo menos agora, com esses acordos sendo concluídos com outros países, a tendência talvez seja de um pouquinho de paz e, aí, pensar um mínimo de bom senso – o que tem sido difícil, porque a abordagem americana está sendo muito truculenta, e eles têm força para isso.

Essas demandas políticas dificultam as negociações?

No nosso caso, a grande diferença está no primeiro parágrafo da carta do presidente Trump. Agora veio a aplicação dessa lei Magnitsky, que é uma lei que até hoje não tinha sido aplicada em circunstâncias como esta. Você pode discordar ou não do que está acontecendo no Supremo (Tribunal Federal) brasileiro, na atuação do ministro Alexandre de Moraes, mas isso é um problema nosso. Eu temo por um Supremo excessivamente ativista, mas isso não tem nada a ver com isso que está sendo feito (para justificar as tarifas). Agora, eu acho que está todo mundo junto aqui no Brasil: “Espera aí, isso aqui é um assunto nosso!”. O Supremo teve um papel durante um período de risco democrático, foi um momento de exceção, e agora tem um debate. O está acontecendo deve continuar, não deve continuar? Mas o debate é nosso.

Que impacto o tarifaço pode ter sobre a nossa economia?

A parte econômica está sendo processada, muita gente fazendo conta. Se o Trump não quer partir para uma estratégia hiperprotecionista, e ele está só tentando igualar as condições que cada país tem, é menos mal. Um grande modelo protecionista de características que não se via há séculos vai custar caro. Vai custar no que diz respeito à produtividade. Mas, por enquanto, não enxergo exatamente onde ele quer chegar. Parte da estratégia do Trump é não ser claro: é um bate e assopra.

E como o sr. avalia a postura do governo brasileiro?

O PT recebeu essa ajuda do Trump (de sofrer o tarifaço de forma injusta). Mas acho que o PT vem radicalizando o discurso. Eu vejo esse discurso com bastante ceticismo. Os economistas chamam de “jogo de soma zero”: o que eu ganho você perde. A economia não é assim. A política externa do Brasil também tem sido um pouco exótica, e não é de hoje. E a do PT, sobretudo – com uma afinidade surpreendente a ditadores de inúmeros países. Eu acho que o nosso caminho é outro. O caminho bom, mais natural para nós, é o caminho mais ocidental.

O sr. entende que o tarifaço vai provocar uma dano na economia capaz de fazer com que Trump consiga ter os seus desejos atendidos?

Acredito que, na área política, ele não vai ter os seus desejos atendidos de jeito nenhum. Do lado econômico, curiosamente, alguns dos desejos eu sinceramente compartilho, porque acho que o Brasil é uma economia muito fechada. Então, se isso for algo que leve a uma abertura racional do País, pode ser gradual em algumas áreas, acho que vai ser bom para nós. E, se for bom para ele, tanto é melhor.

Com redução de tarifas por parte do Brasil?

Alíquotas e outros procedimentos protecionistas. Tem toda uma enciclopédia de protecionismo sobre o Brasil.

Mas o sr. não enxerga um colapso por conta do tarifaço?

Eu acho que a economia tende a se desacelerar um pouco agora, por razões cíclicas internas.

Juros elevados?

O juro está alto, para ajudar a trazer a inflação para a meta. Como o lado fiscal não ajuda, o Banco Central fica sobrecarregado. Mas o tarifaço, passados esses assuntos sobre soberania e política, acho que a gente deve fazer desse limão uma limonada. Sentar, acalmar as coisas e aproveitar a oportunidade para fazer algo para que nos deixe um País menos protecionista.

Qual será o impacto do tarifaço sobre a nossa inflação?

Não é claro que o efeito vai ser significativo. Poderia ser via canal do câmbio, para um lado ou para o outro. O resto eu acho que é algo que talvez não seja tão relevante.

E o dólar vem se enfraquecendo internacionalmente, o que ajuda o real…

Exatamente.

O que o governo tem de fazer para proteger e socorrer os setores? Seguir o caminho da pandemia ou do RS?

Ainda é cedo para dizer.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-arminio-fraga-brasil-entrou-tarifaco-canal-politico-nao-podemos-aceitar/

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