Ex-BC e ex-Fazenda avalia que tom de Lula a Trump foi duro, mas que Alckmin negocia com pragmatismo
Valor
O presidente Lula reagiu na mesma altura de Donald Trump ao comentar o tarifaço imposto pelos Estados Unidos, mas agora deve prevalecer o pragmatismo para negociar um acordo antes de 6 de agosto. Essa é avaliação de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central durante governo do PT, ex-ministro da Fazenda no governo de Michel Temer e ex-secretário da Fazenda e do Planejamento de São Paulo.
Meirelles não vê um grande impacto econômico para o país, mas para segmentos e empresas específicos, considerando que o Brasil não é um grande exportador e a taxa de desemprego no país está em níveis historicamente baixos. Ele avalia que esse movimento pode até ajudar o BC a levar a inflação para a meta e abrir espaço para um corte de juros.
O governo, na visão dele, deve analisar a substituição de programas de incentivos já em vigor por medidas de benefício aos exportadores prejudicados com o tarifaço para não piorar a situação fiscal, que já está preocupante. A seguir os principais trechos da entrevista com Meirelles, que atualmente é copresidente do Grupo Lide, conselheiro da JBS e presidente da HMA.
O governo Trump deixou cerca de 45% das exportações brasileiras de fora do tarifaço. O anúncio veio melhor que o esperado?
Isso configura mais um exemplo de um sistema de negociação de Donald Trump, onde primeiro ele anuncia uma ação ampla e, em seguida, ele volta ao patamar mais razoável. Muitas vezes isso confunde as pessoas, que acham que ele recuou. Na realidade, ele coloca algo maior do que ele quer e recua para o lugar que ele queria desde o início. Seria muito problemático para a economia americana se fosse adotada a medida sem essas exceções. Por exemplo, na aeronáutica, seria um desastre para muitas companhias aéreas americanas, que precisam de aviões de fabricação brasileira que voam nos Estados Unidos e precisam de manutenção e de peças, se não existisse essa exceção. Portanto, foi algo que não me parece uma surpresa, é simplesmente uma técnica negocial. Mas existe ainda mais de 50% das exportações brasileiras que estarão sujeitas à tarifa.
É possível o governo conseguir um acordo para reduzir ou amenizar o impacto para esse grupo até o dia 6 de agosto?
Eu acho que está, a essa altura, um pouco em cima em da hora. Mas Trump usou uma outra tática negocial de antecipar o anúncio, que estava previsto para 1º de agosto. Essa negociação entre governos é importante, mas existe uma parte relevante da negociação que são os setores privados. Você tem empresas americanas que produzem no Brasil e exportam parte da produção para os EUA, ou importadoras americanas que sofrem com essa medida. Então, a negociação tem que envolver essa estrutura que é prejudicada e acredito, portanto, que pode ter margem de negociação. O governo brasileiro está trabalhando, em iniciativa liderada pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, que tem boas condições de negociação, é um ser ponderado, conhece todo o assunto e sabe as nuances da medida.
Como o senhor avalia a postura do presidente Lula na negociação com os Estados Unidos? O tom foi duro?
Acho que é uma postura normal dele como presidente da República, inclusive porque Trump também adota uma postura assim ao dizer que os países estão tirando vantagem dos EUA. Então, essa comunicação do presidente Lula foi na mesma altura. Agora, a negociação com os EUA está sendo conduzida por Alckmin e é importante que agora prevaleça o pragmatismo, que o próprio vice-presidente tem, e essa deve ser a linha para tirar o melhor resultado possível.
O senhor conheceu o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, com quem negociou um apartamento em Manhattan, e foi ele quem chegou a comentar recentemente que poderia haver isenção a outros produtos brasileiros que não são produzidos lá, como café e cacau. Ele seria uma interlocução para o Brasil?
Eu acho que ele pode, sim. Ele é muito pragmático, um negociador muito capaz, que teve um tremendo sucesso na vida empresarial, mas é um negociador duro, que procura o melhor para os EUA como é dever de seu cargo. Mas não é um homem ideológico para defender determinados interesses. Como ele disse, ‘se isso não é produzido nos EUA, vamos isentar’. É uma discussão baseada na racionalidade.
Os EUA lideram o investimento estrangeiro direto no Brasil. O tarifaço pode afetar esse fluxo?
O Brasil não é uma plataforma exportadora como o México, onde as empresas americanas e chinesas montaram filiais para exportar para os EUA. Temos um mercado interno forte e robusto. A maior parte dos investimentos estrangeiros é voltada para o consumo no mercado doméstico e isso vai continuar.
Qual o impacto para a economia brasileira, se o aumento de tarifa pelos EUA não for revertido?
O Brasil felizmente não depende tanto das exportações como Reino Unido. O maior parceiro comercial é a China e isso traz a oportunidade para o país diversificar as exportações. O Brasil tem déficit com os Estados Unidos, e o grande volume de exportações para lá não são de bens industrializados, a não ser do setor aeronáutico. Então, o impacto não é de dimensões elevadas. Do ponto de vista do Banco Central, isso pode ajudar no combate à inflação, já que o Brasil não está em recessão, com economia funcionando, talvez, um pouco acima do potencial, com inflação acima da meta e desemprego perto das mínimas históricas. Então, a diminuição de parte da demanda dos Estados Unidos, de uma certa maneira, prejudica diversos setores, mas alivia pressão inflacionária.
O governo estuda medidas para compensar os exportadores afetados, mas a relação entre dívida e PIB já está em 76,6%. Qual o impacto para a situação fiscal?
A dívida pública pode ficar excessivamente elevada, mas existem outros programas de incentivo que são menos eficazes ou perderam a relevância que podem ser substituídos por benefícios para companhias que estão investindo para redirecionar as exportações. A reforma administrativa no Estado de São Paulo em 2021, por exemplo, gerou saldo de R$ 53 bilhões com a revisão de benefícios. Agora, cada estado tem que olhar sua economia e tomar a decisão baseada nela. Uma coordenação federal é complicada, pode burocratizar mais. No estado de São Paulo, por exemplo, o governador já anunciou medidas de apoio aos exportadores. Cada estado vai ter de olhar sua economia e procurar incentivo específico aos exportadores da sua região.
Falando em BC, a pressão de Trump aumenta sobre Jerome Powell por corte de juros. Há risco para a independência do Fed?
Na realidade isso não é totalmente novo. Na época do presidente americano Richard Nixon, também havia pressão sobre o presidente do Fed. Ele inclusive chegou ter um presidente do Fed que procurava acomodar essa situação política e isso acabou gerando inflação elevada para padrões americanos, com o Fed tentando cumprir os desejos do presidente da República lá. Acho que a independência do Fed é fundamental, desde a época do Nixon não há essa pressão forte sobre a instituição, que é independente desde 1913. Mas o Fed está tomando as decisões corretas, tanto que não cortou a taxa básica de juros porque a economia americana ainda está um pouco aquecida. A previsão de queda da atividade pela imposição de tarifas ainda não ocorreu, o Fed está em uma posição de expectativa para ver como se desenvolve toda essa questão, que é nova para tomar medidas a partir disso.
Pode abrir espaço para começar a reduzir juros por lá ainda neste ano?
O Fed está reagindo à situação de incerteza. De um lado, as tarifas aumentam um pouco a inflação, por outro lado, existe possibilidade de queda do ritmo de atividade. No momento, a atitude é de cautela. Não há sinais da temida recessão dos EUA por conta das tarifas, a economia está relativamente aquecida. O Fed está cuidadoso e reagindo a isso e, apesar de alguns membros do comitê do Fed já manifestarem a ideia de que possa haver um corte, isso ainda não é a posição da maioria.
Link da publicação: https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/meirelles-governo-pode-remanejar-beneficios-para-exportador-resguardando-fiscal.ghtml
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