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Onde Trump tem razão no debate sobre tarifas

DW

Quando o presidente dos EUA reclama das altas tarifas de importação do Brasil, a resposta é a indignação generalizada. Só que ele tem razão. E a economia fechada do país prejudica sobretudo os próprios brasileiros.

“O Brasil tem sido um péssimo parceiro comercial em termos de tarifas. Como vocês sabem, eles nos cobram tarifas altíssimas, muito mais do que nós cobramos deles”, declarou o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, alguns dias atrás.

Como era de se esperar, a indignação foi grande em Brasília. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, rebateu a crítica e afirmou que não há melhor parceiro comercial para os Estados Unidos do que o Brasil. Alckmin destacou que 74% das exportações americanas destinadas ao Brasil são isentas de tarifas. “Das 20 maiores economias do mundo, só com três os Estados Unidos têm superávit: Austrália, Reino Unido e Brasil”, declarou.

Mas Trump tem razão: é difícil achar outro país que imponha tarifas tão elevadas às importações como o Brasil. Na comparação internacional, a diferença é brutal.

Um exemplo: a tarifa de importação de automóveis é de 35%. A União Europeia (UE) acabou de chegar a um acordo com os Estados Unidos para que os automóveis europeus recebam uma sobretaxa de 15% nos Estados Unidos. Ou seja, a tarifa brasileira é mais do que o dobro daquela que as montadoras da UE precisam acatar nos EUA. Como consequência, as montadoras alemãs temem uma grande diminuição na sua competitividade no mercado americano e uma queda nas vendas para os EUA. No Brasil, as pessoas já se acostumaram com essa situação: já faz 30 anos que a tarifa de importação de carros está em 35%.

O Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) divulgou um estudo sobre o tema, intitulado Integração comercial internacional do Brasil. Ele mostra que o Brasil impõe algumas das tarifas de importação mais altas do mundo, não apenas sobre produtos manufaturados, mas também sobre máquinas e equipamentos e sobre equipamentos elétricos.

Com isso, o país se isola cada vez mais: a participação do Brasil no comércio mundial é de apenas 1%, apesar de o país ser uma das dez maiores economias do mundo.

Graves consequências

As consequências desse isolamento do mercado mundial são graves: empresas brasileiras têm custos significativamente mais altos para a modernização de suas instalações do que suas concorrentes internacionais. Isso significa que não apenas as fábricas, na maioria dos casos, estão tecnologicamente desatualizadas como também que os produtos, com poucas exceções, não são competitivos no mercado global.

Por isso, empresas brasileiras desempenham um papel insignificante na maioria das cadeias de valor globais. É por isso que, com exceção das aeronaves da Embraer, quase não há produtos brasileiros de alta tecnologia no mercado global.

A cadeia de valor da indústria brasileira está diminuindo em comparação com o setor de serviços ou com a agricultura. As empresas, afinal, não sofrem qualquer pressão para oferecer produtos competitivos. Protegidas pelas altas barreiras tarifárias, elas podem até mesmo cobrar caro.

Quem paga o preço somos nós, consumidores no Brasil. Um exemplo: um Toyota Corolla custa cerca de 28 mil dólares nos EUA. No Brasil são 37 mil dólares. E a renda per capita nos EUA, considerando a paridade do poder de compra, é quase quatro vezes maior do que no Brasil.

Além disso, a maioria dos bens de consumo no Brasil – sejam panelas e luminárias de mesa, sejam lenços de papel – custa mais ou menos o mesmo que em outros países, mas a qualidade é significativamente inferior.

Portanto, seria até mesmo vantajoso para o Brasil oferecer reduções tarifárias no âmbito das negociações sobre tarifas para produtos brasileiros (café, etanol e outros) nos Estados Unidos. O Brasil como um todo seria beneficiado.

Mas a resposta do governo brasileiro foi bem diferente: um fundo de auxílio para as indústrias afetadas pelas tarifas americanas foi imediatamente anunciado, com o argumento de proteger empregos.

Como bem resumiu o economista Rodrigo Zeidan no jornal Folha de S. Paulo, “o Brasil não muda. Pode ser governo de esquerda, de direita, de alto ou de baixo, o resultado é sempre o mesmo: transferência de renda do Estado direto para o bolso dos empresários.”

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

Link da publicação: https://www.dw.com/pt-br/onde-trump-tem-raz%C3%A3o-no-debate-sobre-tarifas/a-73701744

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