É cada vez mais evidente que o desmatamento compromete a resiliência florestal diante do aquecimento global, com risco para a agricultura brasileira nos próximos anos
Valor
A COP oferecerá ao agronegócio brasileiro uma oportunidade única para mostrar como a tecnologia tem ajudado na sustentabilidade do setor. Inovações foram indispensáveis para transformar em uma cornucópia solos tidos como imprestáveis há 50 anos atrás. Pode haver a preocupação de que o uso extensivo de fertilizantes e defensivos químicos e mesmo desfolhantes tenha impacto sobre a terra, rios e até aquíferos. Mas ele deve ser comparado aos ganhos econômicos e ambientais do aumento da oferta de alimentos para o planeta e de práticas hoje amplamente usadas, como plantar sobre a palhada, evitando-se deixar a terra descoberta, e outras técnicas que vão tornando a agricultura brasileira cada vez mais “biointeligente” e produtiva.
O reconhecimento internacional dessas inovações veio recentemente com o World Food Award – o “Nobel da agricultura” – concedido a Mariângela Hungria por seu trabalho pioneiro na fixação biológica do nitrogênio (FBN). Esta técnica, que envolve, por exemplo, a inoculação de bactérias específicas nas sementes por menos de US$ 10 por hectare, já alcança mais de 85% da área plantada de soja no país e avança na do milho e cana-de-açúcar. A FBN elimina a necessidade de fertilizante nitrogenado na soja e a reduz em 25% nas outras culturas, com mais produtividade.
Considerando que cada hectare de soja pode exigir 0,5t de ureia na ausência da FBN, que a área plantada está perto dos 50 milhões de hectares e a ureia custa uns US$ 300/t, a economia obtida com a FBN excederia US$ 7 bilhões ao ano na soja e mais US$ 1-2 bilhões com o milho e cana. Cortar a ureia também evita as 20MtCO2 /ano que seriam emitidas para produzi-la, além de ganhos na qualidade do solo, da água e da biodiversidade.
Outros bioinsumos e a agricultura de precisão que reduz as aplicações desnecessárias de fertilizantes e defensivos vêm complementando essa revolução biotecnológica. Biodefensivos contra nematoides, fungos e insetos, junto com fertilizantes bio-inteligentes que liberam nutrientes de forma controlada através, e.g., de encapsulamento biodegradável, já penetraram 15%-25% das áreas em diversas culturas. Este mercado, estimado em R$ 5 bilhões anuais, cresce mais de 10% ao ano, oferecendo produtos com toxicidade mínima e ausência de resíduos prejudiciais aos alimentos ou ao solo. Ele é um aspecto da agricultura regenerativa e circular que começa a se difundir no país.
A circularidade no agro ganha impulso adicional com fertilizantes inteligentes que incorporam resíduos da pecuária ao fosfato e potássio minerais. Esse aproveitamento reduzirá as 6MtCO2 /ano atualmente emitidas pelos dejetos do gado, trazendo benefícios econômicos e ambientais.
O setor sucroalcooleiro também ilustra essa tendência. A vinhaça, considerada grande poluidora nos primórdios do Proálcool, há décadas vem tendo muito sucesso como fertilizante aplicado em doses judiciosas. Agora, o digestato resultante da extração do metano da vinhaça em biodigestores especiais a supera como fertilizante, com maior fluidez e menor presença de patógenos e de odores desagradáveis.
Supondo que cada hectare de cana produz aproximadamente 7 m³ de etanol e 100 m³ de vinhaça, consegue-se extrair daí até 500 m³ de biometano, que podem produzir 20MMBtu. Esse volume de gás valeria cerca de US$ 60 nos preços americanos ou R$ 300 aos preços para a indústria brasileira, tornando o biometano competitivo para uso próprio do produtor rural ou injeção na rede, mesmo considerando custos de capital e operação de R$ 4-8/MMBtu sugeridos por alguns projetos analisados pelo BNDES. Simultaneamente, com os devidos cuidados, a extração do metano daquela vinhaça evita 8tCO2 eq de emissões, gerando potenciais créditos de carbono de R$ 200-400 por hectare de cana.
Proteger o patrimônio florestal representa investimento estratégico para o agronegócio
A legislação vem criando mercados cativos para o biometano. O importante nessa jornada é que se mire em baixar o custo dessa fonte de energia e, havendo um mercado internacional de créditos de carbono, se favoreça o uso do biometano no transporte e para calor na indústria, ao invés de na geração de eletricidade, onde ela poderia estar deslocando fontes renováveis, inclusive a hidroeletricidade. Também valerá a pena sopesar o uso da palha da cana para produzir o gás, dado o papel dessa palha na preservação do solo e quando o biogás do capim elefante e outras gramíneas começa a aparecer.
Paralelamente, o biodiesel vem aumentando sua presença, com aprimoramentos na sua produção que aproximam seu desempenho ao do diesel parafínico, incluindo o HVO, mas a custos menores do que o desse último. O biodiesel bidestilado e outros produtos aprimorados e de custo moderado serão ainda mais valiosos caso choques geopolíticos afetem as exportações de soja, pois facilitariam o rápido aumento da proporção de biodiesel na mistura com o diesel mineral sem grande custo para o transporte de cargas.
O entendimento da importância de gerir riscos globais também está alterando a abordagem da agropecuária em relação ao desmatamento amazônico. Pesquisas recentes quantificam como as chuvas no Centro-Oeste e Sul dependem da água transportada do Atlântico por ventos que atravessam a Amazônia, mantendo-se úmidos pela evapotranspiração florestal – processo pelo qual as árvores bombeiam a água da chuva de volta para a atmosfera. Hoje, já se mede bem o quanto a chuva em um dado local diminui quando os ventos que ali chegam vindos do Atlântico passam por uma área desmatada, ao invés de uma área com floresta.
É cada vez mais evidente que o desmatamento compromete a resiliência florestal diante do aquecimento global, com risco para a agricultura brasileira nos próximos anos. Proteger esse patrimônio florestal – ação facilitada agora com os esperados financiamentos do Eco Invest para recuperar pastagens degradadas com fins de aumentar a produtividade da pecuária e a área dedicada aos grãos fora da Amazônia – representa investimento estratégico para o agronegócio. Essa postura também fortalecerá a voz brasileira nas negociações climáticas internacionais, lastreando as demandas por reduções nas emissões globais de carvão e outros combustíveis fósseis.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/pistas-do-agro-na-cop.ghtml
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