Enfrentamento do tarifaço dependerá menos de subsídios e mais de consolidar novos mercados
Deborah Bizarria
Folha
A reação do Planalto ao tarifaço de Donald Trump veio com o anúncio do Brasil Soberano, um pacote de medidas que prevê R$ 30 bilhões em crédito, prorrogação de regimes especiais, suspensão de tributos e incentivos a compras públicas. A justificativa é proteger empresas e trabalhadores do choque externo e reforçar a diplomacia comercial.
O contexto político ajuda a entender a escolha: diante da perda de competitividade em mercados tradicionais, a estratégia imediata é oferecer alívio para exportadores e preservar empregos. Contudo, a capacidade de enfrentar o tarifaço dependerá menos de subsídios e mais de consolidar novos mercados e de se integrar de forma consistente às cadeias globais de valor. É esse movimento estrutural que o Brasil ainda não enfrentou.
Os Estados Unidos são hoje um problema para o comércio exterior brasileiro, mas a raiz da vulnerabilidade é doméstica. O Brasil nunca se integrou plenamente às cadeias internacionais. Preferiu um modelo de proteção que isolou a economia em nome da preservação de setores específicos.
O livro Integração Comercial Internacional do Brasil, do CDPP, mostra que a tarifa média da indústria nacional é de 12%, contra 4,4% da OCDE. Além disso, 86% das importações estão sujeitas a barreiras não tarifárias, frente a 72% na média mundial. No setor de serviços, o Brasil é o único país que cobra simultaneamente CIDE e IOF sobre remessas ao exterior. As tarifas sobre máquinas e equipamentos seguem em dois dígitos, exceção entre dezoito países analisados. Essas escolhas aumentam custos, reduzem o acesso a insumos modernos, dificultam a inovação e ampliam a distância em relação a economias abertas.
Esse pano de fundo torna o país vulnerável a choques externos. Quando surge um tarifaço, a resposta imediata costuma ser proteger empresas, mas a proteção só se justifica se vier acompanhada de uma agenda clara de abertura. Marcos Mendes alerta que políticas emergenciais, quando se tornam permanentes, consolidam privilégios e perpetuam ineficiências. A experiência brasileira é repleta de regimes especiais que nasceram como temporários e se transformaram em compromissos fiscais permanentes. Se o Brasil Soberano seguir essa trajetória, repetirá um ciclo em que os custos crescem sem ganhos de produtividade.
A vulnerabilidade estrutural não se limita ao campo econômico. A pauta ambiental poderia ser um diferencial para o Brasil na disputa por mercados. Em vez disso, virou mais um ponto de atenção. O doutor em economia Carlos Góes observa que a reputação ecológica passou a ser determinante para acessar investimentos e consolidar acordos comerciais. Não se trata apenas de imagem: exportações sustentáveis têm impacto de mais longo prazo sobre emprego e renda.
Assim, a suspensão da Moratória da Soja em agosto exemplifica o risco de caminhar na direção oposta. Criado em 2006, o pacto entre produtores, empresas e organizações da sociedade civil impedia a comercialização de soja oriunda de áreas recém-desmatadas na Amazônia. Durante quase duas décadas, funcionou como uma espécie de selo informal de sustentabilidade que ampliava a confiança dos compradores internacionais. Sua dissolução fragiliza esse capital justamente no momento em que cláusulas ambientais se tornaram parte obrigatória de tratados de comércio e de requisitos de financiamento global. O risco é trocar barreiras tarifárias por barreiras reputacionais.
O atraso brasileiro eleva o custo de cada nova crise, mas ainda há ganhos a capturar. O caminho passa por reduzir tarifas de forma previsível, simplificar regras, flexibilizar o Mercosul e corrigir distorções em serviços, combinando isso a compromissos ambientais verificáveis e políticas de transição que preparem trabalhadores e setores. O tarifaço de Trump é passageiro; o isolamento do Brasil dura décadas. A escolha real não está entre abrir ou proteger, mas continuar preso a um modelo caro e estagnado ou disputar espaço nas cadeias globais de valor.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/deborah-bizarria/2025/08/brasil-soberano-nao-substitui-integracao.shtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.