Barreiras tarifárias, regulatórias e tributárias poderiam ser redesenhadas para impulsionar o crescimento
Globo
O acesso a bens e serviços modernos de Tecnologias de Informação e Comunicação, chamados TICs, é decisivo para a produtividade. No Brasil, esse potencial segue limitado por barreiras tarifárias, regulatórias e tributárias que poderiam ser redesenhadas para impulsionar crescimento e inovação.
O setor de TICs responde por 6,6% do PIB brasileiro, sendo os serviços de informação e comunicação sua parte mais relevante (6,34%). Apesar disso, o país mantém uma estrutura de proteção onerosa. Como mostramos no livro recém-lançado “Integração comercial internacional do Brasil”, coordenado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), as tarifas brasileiras sobre TICs estão entre as mais altas do mundo. Em 2023, numa comparação com 18 países, o Brasil apresentou as maiores alíquotas. A tarifa média é de 10,2% sobre bens finais , 8,1% sobre partes e peças e 4,3% sobre componentes eletrônicos — ainda assim elevada em escala global. A tributação sobre serviços importados agrava o quadro: a taxação pode variar de 41% a 51% do valor da operação, criando sério entrave à modernização.
Esse arranjo eleva custos, atrasa a adoção de tecnologias cruciais e inibe a formação de parcerias internacionais. Num contexto marcado por computação em nuvem, inteligência artificial e data centers, que reduzem barreiras de entrada e ampliam o alcance da inovação, a manutenção de encargos artificiais mina a competitividade nacional.
O acesso a data centers com preços razoáveis é determinante para a competitividade das empresas, pois lhes permite substituir altos investimentos em equipamentos e servidores próprios pelo uso flexível de recursos em nuvem, liberando capital para outras atividades produtivas e inovação. Para que esses serviços avancem no Brasil, contudo, é indispensável ampliar a base de infraestrutura de data centers locais, cujos investimentos são fortemente dependentes do acesso a equipamentos importados de ponta — desde servidores de alta performance até sistemas de refrigeração e redes ópticas. Barreiras tarifárias encarecem a expansão da capacidade instalada, limitando a oferta de serviços em nuvem a preços competitivos e, consequentemente, reduzindo a capacidade das firmas brasileiras usuárias de competir em ambiente global e dos data centers locais de exportarem serviços.
O desenho da política vigente estimulou um modelo baseado na montagem local a partir de insumos importados, amparado por tarifas altas e subsídios, voltado sobretudo ao mercado interno. Os Processos Produtivos Básicos, que vinculam incentivos de pesquisa e desenvolvimento ao cumprimento de regras de conteúdo local, limitam a agilidade empresarial diante de novas tecnologias e oneram a estrutura produtiva, sem gerar ganhos substanciais em pesquisa. Depois de mais de 30 anos, é evidente que essa política precisa ser objeto de uma revisão que contribua para a formação de uma indústria de TICs competitiva nos segmentos de hardware e software.
A indústria brasileira de bens de TICs não alcançou competitividade internacional. Em 2023, exportou apenas US$ 762 milhões e importou US$ 18,2 bilhões, com déficit de US$ 17,5 bilhões. Os serviços de TICs mostram maior dinamismo, com diversos casos de sucesso em mercados externos e grande potencial de agregar valor às exportações brasileiras de manufaturas e serviços.
A revisão de políticas é urgente, e um primeiro passo são as iniciativas correntes dirigidas a alterar a política de data centers. O Brasil precisa garantir acesso a TICs de ponta para elevar a produtividade em setores estratégicos como indústria, agricultura e serviços. O atual debate global oferece oportunidade para reposicionar o país. Não obstante eventuais movimentos protecionistas no mundo, o Brasil pode se tornar exportador relevante de serviços digitais e soluções tecnológicas de alto valor agregado.
A estratégia defendida no estudo do CDPP — redução do protecionismo, acompanhada de reforma tributária e regulatória — é condição para liberar o potencial das TICs. Assim, o país poderá transformar os serviços digitais em vetor de competitividade, dinamizando cadeias produtivas e alavancando as exportações industriais.
*José Augusto Coelho Fernandes, economista, é pesquisador associado do Centro de Integração e Desenvolvimento e do Iepe/Casa das Garças, Renato da Fonseca, ph.D. em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, é sócio-diretor da Inteligecon Consultoria Econômica e em Políticas Públicas
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/10/acesso-a-tecnologia-e-limitado-no-brasil.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.