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A política fiscal brasileira caminha para um ponto de inflexão que não pode mais ser adiado. Desde a adoção do arcabouço, o país vive de uma combinação de receitas extraordinárias e contenções pontuais que permitem cumprir metas no curto prazo, mas não alteram a dinâmica estrutural das contas públicas.
O resultado é um quadro de aparente estabilidade que, na prática, esconde uma trajetória de endividamento crescente e prêmios de risco cada vez mais altos. O mercado já percebeu que a conta não fecha, e a
consequência é um custo de financiamento que se torna rapidamente insustentável.
Estamos, sim, já em dominância fiscal, os juros de 15% nos dizem claramente isto. E em 2027, esse malabarismo chega ao limite: ou se inicia um processo real de ajuste, ou iremos descartar um período de estabilidade conquistado a duras penas.
O problema central está no crescimento vegetativo das despesas obrigatórias, que consome o espaço orçamentário e deixa cada vez menos margem para investimentos e políticas públicas.
A cada ano, o governo precisa recorrer a medidas extraordinárias para ficar dentro da regra, seja abatendo precatórios, seja congelando despesas discricionárias. Isso pode funcionar em 2025 e até em 2026, quando a arrecadação ainda pode ser reforçada por medidas pontuais e o calendário eleitoral empurra a máquina a gastar mais, mas em 2027 a realidade se impõe: os gastos obrigatórios seguem tomando parcela majoritária (para não dizer quase total) do orçamento e os precatórios começam a voltar para a meta, ainda que de forma lenta.
Em suma, a rigidez orçamentária se eleva e a margem de manobra vai diminuindo, sobrando poucos recursos para as despesas discricionárias, o que por sua vez, pode colocar em risco o funcionamento da máquina pública. Sem reformas que mexam na estrutura de gastos, o arcabouço se torna letra morta.
Os números mais recentes já mostram a fragilidade. O Prisma Fiscal de setembro projeta déficit primário de R$ 69,9 bilhões em 2025, mesmo após sucessivas revisões positivas. A dívida bruta deve encerrar o ano em 79,74% do PIB. Do lado da receita, a arrecadação federal somou R$ 208,8 bilhões em agosto e R$ 1,89 trilhão no acumulado de janeiro a agosto, crescimento real de 3,7% frente a 2024. É um recorde histórico, mas que não se traduz em melhora estrutural, já que as despesas seguem em expansão e a rigidez orçamentária impede realocação eficiente de recursos.
É por isso que o ajuste precisa ser feito pelo lado da despesa, mesmo que de forma gradual. Não se trata de cortar de maneira abrupta, mas de redesenhar prioridades e reduzir isenções fiscais que drenam dezenas de bilhões de reais por ano sem comprovação de retorno econômico ou social. Também é necessário criar maior mobilidade entre rubricas como saúde e educação, permitindo que o orçamento seja administrado com mais racionalidade e menos amarras legais. Sem essa flexibilidade, o país corre o risco de ver áreas essenciais estranguladas enquanto outras acumulam recursos subutilizados.
O desafio fiscal se intensifica: ao mesmo tempo em que a necessidade de ajuste é evidente, o governo avança em medidas de forte apelo popular que ampliam a pressão sobre as contas. Entre elas, o aumento do vale-gás (Programa Gás do Povo, impacto estimado de R$ 5 bilhões em 2026), a Tarifa Social de Energia Elétrica (R$ 3,6 bilhões/ano) e o programa de reformas habitacionais (Melhoria Habitacional do Minha Casa, Minha Vida, cerca de R$ 30 bilhões). Soma-se ainda a proposta de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, com renúncia de aproximadamente R$ 50 bilhões anuais.
Ainda que esses programas possam beneficiar muitos brasileiros, a grande questão é de um lado ter espaço orçamentário para fazê-los e, de outro, se há a focalização adequada. Sempre vale lembrar que o Bolsa Família em seus anos iniciais custava 0,4% do PIB e conseguiu ter excelentes resultados no combate à fome e miséria. Hoje, com taxa de desemprego nas mínimas históricas (abaixo de 6%), será que faz sentido gastar 1,5% do PIB com Bolsa Família e ainda assim criar tantos outros novos programas adicionais? Parece que há um grande empenho no ganho de popularidade e não necessariamente um compromisso com uso adequado e focalizado dos recursos públicos.
Em resumo, 2027 será o ano da verdade. Até lá, ainda é possível construir um caminho de ajuste que preserve a estabilidade e prepare o país para crescer de forma sustentável. Mas se prevalecer a lógica de adiar decisões difíceis e multiplicar medidas de apelo imediato, o Brasil chegará a esse ponto sem reservas de confiança, com prêmios de risco impagáveis e sem margem para improvisos.
*Este artigo tem as co-autorias de Rita Milani, economista da BuysideBrasil, Andrea Damico, sociafundadora da BuysideBrasil.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.