Entrevistas

Brasil não escapa de ajuste fiscal e de nova alta de impostos em 2027

Doutor em economia revela otimismo com o debate sobre as contas públicas na campanha eleitoral do ano que vem, mas entende que o país precisa construir rapidamente um superávit primário estrutural para reduzir o ritmo de alta da dívida pública

Platô BR

Entre os temas que devem dominar o debate eleitoral de 2026 está o equilíbrio das contas públicas. E o governo, seja de direita ou de esquerda, não escapará de um ajuste fiscal, com possível aumento da carga tributária. As afirmações são de Samuel Pessôa, doutor em Economia, pesquisador associado do FGV Ibre e pesquisador do BTG Pactual, em entrevista ao PlatôBR. 

“O importante é como o tema fiscal será tratado durante as eleições. Eu sou um pouco otimista porque eu acho que será muito difícil passar por esse processo eleitoral sem lidar com esse tema. Esse tema é discutido em todos os jornais, a questão dos juros altos, e é debatido pela sociedade. Há um desconforto geral que fará com que os políticos não fujam do tema no processo eleitoral”, disse.

Para o pós-eleição, Pessôa aponta caminhos considerados inevitáveis: a desindexação do salário mínimo e dos mínimos constitucionais para saúde e educação, hoje atrelados à receita, e uma possível nova rodada de aumento da carga tributária.

Segundo ele, o país precisa urgentemente construir um superávit primário estrutural e isso só será possível com mudanças que reduzam a velocidade de crescimento dos gastos públicos. A comunicação clara com a sociedade, alertando sobre os limites fiscais do Estado, é vista como crucial para conquistar apoio político às reformas.

Leia abaixo a entrevista completa.

O que a derrota do governo com a MP que tributava aplicações financeiras indica para o resultado das contas públicas?
Indica que vai ter R$ 20 bilhões a menos no orçamento do ano que vem. Estávamos trabalhando com a possibilidade de que haveria uma aprovação de um texto desidratado e fosse gerar uma arrecadação de R$ 10 bilhões. A rejeição integral pegou todo mundo de surpresa. Mas eles [equipe econômica] têm alguma folga no orçamento. Eles podem rever algumas linhas de receita, voltar com algumas medidas no ano que vem, aumentar alguma alíquota de IOF no próximo ano. E no limite, [o governo pode] mudar a meta de primário. Não sei qual meta vão perseguir.

Essa fixação por aumento de impostos já enfrenta resistência do Congresso. O debate sobre corte de gastos deve ocorrer?
O governo está convencido de que tem que fazer alguma coisa. Mas estamos praticamente em ano eleitoral. Então a agenda de corte de gastos ficará para 2027 e não para agora. Não vai haver uma piora muito grande das contas públicas até lá. Acredito que as metas do arcabouço serão atendidas, com todas as exceções que existem. Teremos um déficit público, com os ajustes que são feitos, de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões. Não vai ter descalabro fiscal. 

A partir de 2027 a coisa piora?
A coisa piora porque é da natureza política que em ano eleitoral haja uma certa leniência do mercado com a questão fiscal. A gente viu isso em 2022. Em 2022 aprovou-se a PEC Kamikaze e isso não teve impacto nos preços de mercado. Em certa hora, o mercado olha para o próximo ciclo. O importante é como o tema fiscal será tratado durante as eleições. Eu sou um pouco otimista porque eu acho que será muito difícil passar por esse processo eleitoral sem lidar com esse tema. Esse tema é discutido em todos os jornais, a questão dos juros altos, e é debatido pela sociedade. Há um desconforto geral que fará com que os políticos não fujam do tema no processo eleitoral.

Qual e o caminho para equilibrar as contas já que o arcabouço não cumpre esse papel?
Mudar a regra de indexação do salário mínimo e também desindexar os mínimos constitucionais para saúde e educação. E, talvez, fazer nova uma rodada de aumento de carga tributária.

Por que será necessário aumentar a carga tributária, mais uma vez?
Porque o país precisa construir, com uma velocidade maior, um superávit primário estrutural. Evidentemente, o aumento de carga tributaria tem que ocorrer depois de mudar o indexador dos mínimos de saúde e educação. Hoje, essas despesas estão indexados à receita. Com gasto público indexado à receita, não adianta fazer ajuste na despesa.

E no caso da desindexação do salário mínimo?
Seria a correção somente pela inflação.

Como convencer a classe política da necessidade real dessas medidas?
É preciso explicar as limitações das contas públicas para a sociedade. Olha os juros altos, a inflação e o crescimento baixo. Não estou falando dos últimos anos. Estou falando da história econômica do país. Se quisermos construir condições de crescimento elevado e juros mais baixos, temos que ter regras para que o gasto público cresça em um ritmo um pouco menor que o PIB. Não precisa cortar o gasto público. Mas tem que cortar a velocidade de crescimento do gasto público.

Link da publicação: https://platobr.com.br/samuel-pessoa-brasil-nao-escapa-de-ajuste-fiscal-e-de-nova-alta-de-impostos-em-2027

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