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Gastos sem controle: 80% das propostas do Congresso e do Planalto não trazem estimativas de despesas

Estadão

Estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto, que reúne Persio, Bacha, Armínio, Meirelles e outros notáveis, revela que governo e parlamentares são responsáveis por propor aumento de gastos sem calcular impactos para a sociedade

Só dois em cada dez projetos com impacto nas contas públicas em tramitação no Congresso foram apresentados com estimativa de quanto custarão, conforme estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto.

A iniciativa reúne especialistas, autoridades e empresários. Recentemente, o grupo lançou um manifesto defendendo transparência, desobrigação de despesas, revisão de privilégios, redução de emendas parlamentares e uma nova reforma da Previdência. Entre os signatários, estão os economistas Paulo HartungPersio AridaEdmar BachaArmínio FragaHenrique MeirellesMailson da NóbregaMarcos Mendes e Elena Landau.

O levantamento analisou propostas protocoladas no Legislativo federal entre 2011 e 2025, sendo todas entre 2023 e agosto deste ano e algumas selecionadas e consideradas mais emblemáticas anteriores a esse período.

A análise aponta um forte apetite do governo federal e dos parlamentares por projetos que criam ou ampliam benefícios, auxílios e isenções — com aumento da quantidade conforme as eleições se aproximam — sem demonstrar os custos das medidas para a sociedade, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Foram contabilizadas 496 propostas que implicam em aumento de despesas, diminuição de gastos, aumento de benefícios tributários, redução ou controle de renúncias fiscais. Apenas 104 projetos, que representam 21% do total, possuíam estimativa de impacto financeiro no momento em que foram apresentados.

A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que a concessão ou ampliação de benefício tributário — renúncias fiscais dadas a pessoas físicas e empresas que diminuem a arrecadação do governo — e o aumento de gastos devem ser acompanhados de estimativa de impacto nas contas públicas, evidenciando quanto vão custar e como serão compensados.

A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) também estabelecem regras nesse sentido. A LDO de 2025, que só vale para um ano, especifica que a estimativa do impacto deve ser feita no momento da apresentação do projeto — muitos só apresentam a previsão na hora da votação ou nem chegam a calcular.

A falta de estimativa de impacto nas contas públicas é o motivo de projetos serem aprovados no Congresso e acabarem sendo vetados pelo presidente da República. Por outro lado, também há uma série de propostas aprovas e sancionadas sem o cálculo de impacto e medidas propostas pelo Poder Executivo que não cumprem a regra.

O pacote inclui benefícios e auxílios propostos por parlamentares, como a criação de um Programa Nacional de Apoio aos Atingidos pelas Mudanças Climáticas (Pronamc), destinado ao apoio de pessoas afetadas por estado de calamidade pública, e o desconto no Imposto de Renda para famílias que cuidam de membros idosos em ambiente domiciliar. Os dois textos ainda tramitam no Legislativo.

O aumento no número de deputados federais na Câmara também foi proposto sem nenhuma estimativa de impacto. A medida foi aprovada pelo Congresso e vetada pelo presidente Lula por falta desse cálculo. A Diretoria-Geral da Câmara informou durante a discussão que a criação de novas cadeiras aumentaria as despesas da Casa em R$ 64,8 milhões ao ano, mas o gasto pode ser maior se forem ampliados auxílios, emendas e por conta do risco de efeito cascata nas assembleias legislativas.

“Esses resultados indicam a necessidade de reavaliar as regras do processo legislativo de matérias com impacto orçamentário, a fim de que não se tenha um trâmite que muitas vezes é longo e custoso, mas que ao final terá apenas desperdiçado recursos em projetos fadados ao veto presidencial”, diz o cientista político e advogado Marcelo Issa, coordenador do movimento.

Ele sugere uma mudança exigindo o cálculo de impacto por uma instituição independente e as medidas de compensação como condições obrigatórias para aprovação de qualquer projeto, relatório ou emenda durante a tramitação. “Assim, o conflito distributivo não desapareceria, mas deixaria de ser travado no escuro. Porque se queremos gastar melhor, precisamos decidir com base no impacto orçamentário previsto; e antes das votações.”

Além dos parlamentares, o Poder Executivo também carimbou projetos sem esses cálculos. De 42 projetos com impacto fiscal apresentados pelo governo federal entre 2011 e 2025, 21 deles não possuíam o cálculo do custo para o Orçamento, segundo os dados do estudo. O Executivo, portanto, apresenta uma proporção maior de projetos com estimativas que a média geral, mas ainda peca ao deixar os cálculos de fora metade das ocasiões.

Entre as medidas sem estimativas, estão a criação de um pacto nacional para retomada de obras paradas na saúde e na educação e um programa para reduzir a fila de processos e exames médicos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com pagamentos extraordinários aos peritos, propostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 e já aprovados e sancionados.

Na área de benefícios tributários, o governo patrocinou a criação do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), de incentivo às montadoras e isenção de impostos para compra de veículos novos, e o perdão de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), também sem mostrar os impactos no orçamento público.

Considerando apenas os projetos que aumentam despesas, o Executivo e outros autores como tribunais de Justiça, Defensoria Pública e comissões temáticas do Congresso são os campeões de propostas, respondendo por 13,9% do total analisado pelo estudo. Entre partidos com parlamentares autores de projetos que elevam os gastos públicos, o PT lidera, com 13%, seguido por União Brasil (11,5%), PP (10,6%) e PL (9,6)%.

O estudo também apontou uma tendência de aumento no número de projetos que ampliam despesas e gastos tributários conforme a legislatura avança e as eleições se aproximam. Somente no caso de benefícios fiscais, a quantidade até meados de agosto de 2025 (65 novas propostas) já era maior que o ano completo de 2024 (64) ou de 2023 (60).


O economista e consultor Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, diz que a situação reflete a captura do Orçamento pelo Congresso, um governo pouco preocupado com o controle de gastos e uma tentativa dos dois lados de “esconder” os custos para a sociedade. Segundo ele, a fragilidade da base do governo, a polarização política e o desvio da atenção para o conflito com os Estados Unidos abriram mais espaço para projetos oportunistas.

“Cada parlamentar pensa na sua eleição buscando emendas e se associando a algum grupo de lobby que vai financiar a campanha dele lá na frente. E aí tem todo o incentivo para apresentar esse tipo de projeto e esconder o custo da sociedade”, diz o especialista.

“E tem outro fator, que é mais conjuntural, que é o governo atual muito pouco preocupado com o fiscal e querendo expandir as suas despesas e o Judiciário tomando decisões de aumento de despesa por contra própria. Cada um quer puxar o gasto para o seu lado e a ideia é esconder as informações.”

Marcos Mendes lembra que, no final do governo Jair Bolsonaro (PL), em 2022, o Executivo propôs uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aumentando o Auxílio Brasil (hoje Bolsa Família) para R$ 600 e outros programas com caráter eleitoral sem evidenciar todos os impactos fiscais para a sociedade.

Mais recentemente, o mesmo aconteceu com a Medida Provisória de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O governo argumentou que o texto não acarretaria aumento de despesas porque apenas autorizava a União a realizar gastos, que dependeriam de atos posteriores para sua efetiva criação.

Ao analisar as contas do presidente Lula de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que, de 19 benefícios tributários instituídos em 2024, nove não atenderam a algum dos requisitos da legislação, incluindo a estimativa de custos para a sociedade e como as medidas seriam bancadas.

“Se você pegar 10 proposições dessas que aumentam o gasto público e perguntar para a população, você vai ver uma concordância muito alta com todas elas”, observa o consultor aposentado da Câmara Hélio Tollini, que foi secretário de Orçamento Federal e consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Essa questão do impacto fiscal não é compreendida pela sociedade e isso reflete no Congresso. O parlamentar é representante do povo e o que ele ganharia se opondo a uma medida dessa?”

Tollini cita exemplos de outros países que deveriam inspirar o Brasil. Em nações parlamentaristas da Europa, como a Alemanha, o Congresso discute as políticas públicas junto com a lei orçamentária, para encaixar os programas do governo dentro do orçamento, e não de forma separada.

Nos Estados Unidos, foi criado o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), que é independente, faz cálculos e alertas sobre o impactos dos projetos e passou a influenciar fortemente as decisões dos parlamentares.

“Aqui no Brasil é diferente. O Brasil discute política pública e tributária o ano inteiro e, no dia de mandar a proposta orçamentária, que é 31 de agosto, o projeto de lei que vai ser enviado ao Congresso é obrigado a refletir as políticas públicas vigentes naquele momento”, diz o analista. “A gente acaba perdendo muito por esse aspecto técnico de não ter uma visão consolidada das contas públicas.”

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/politica/gastos-sem-controle-80-das-propostas-do-congresso-e-planalto-nao-trazem-estimativas-de-despesas/

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