Folha
Há duas semanas, baseei-me em um artigo de André Lara Resende para elaborar as diferenças entre o Brasil e o Japão, que explicam o fato de a dívida pública ser elevada no Japão e não poder ser alta no Brasil.
André afirmou, em artigo no Valor Econômico na quarta-feira (19), que eu confundi crédito com poupança. Tive dificuldade de acompanhar a argumentação de André. Simplesmente não tratei de crédito na coluna. A limitação de espaço requer seletividade nos temas.
Na economia clássica, a poupança eram as sementes que um agricultor guardava para a safra seguinte. Sem sementes, não era possível semear. No mundo clássico, haver um fundo de poupança é pré-requisito para produzir.
Keynes nos ensinou que, em uma economia monetária, diferentemente da economia clássica, é o investimento que precede a poupança. Esse fato está incorporado em todos os modelos monetários que os bancos centrais empregam para operacionalizar o regime de metas de inflação.
Seja por meio de criação de moeda (base monetária), pelo banco central, seja por meio de criação de crédito, pelos bancos, é possível criar poder de compra do nada, e, com poder de compra em mãos, o empresário toma as decisões de investimento. A causalidade é das decisões de gasto, consumo e investimento, para a determinação da renda nominal.
Evidentemente, se a economia operar a pleno emprego, uma elevação do gasto gerará aumento da inflação ou piora do déficit externo —ou uma combinação de ambos.
No capítulo 12 da “Teoria Geral”, Keynes rejeitou a teoria neoclássica da taxa de juros. Afirmou que o juro é o preço da liquidez e está associado ao risco —em outro capítulo ele dá tratamento diferente.
A teoria convencional, como chama André, não incorporou essa contribuição de Keynes nos seus modelos. Para nós, a taxa real de juros, como nos ensinou Irving Fisher, é o preço relativo entre o futuro e o presente. Se os juros reais são elevados, o presente é caro, e o futuro, barato; e vice-versa se os juros reais forem baixos.
Sociedades de juros reais de curto prazo elevados apresentam sistemas previdenciários generosos, gasto público que cresce mais rapidamente do que a economia e baixa taxa de poupança. O inverso ocorre em sociedades de juros baixos. Juros reais de curto prazo elevados sinalizam potencial excesso de demanda sobre a oferta. Os juros se elevam para equilibrar o mercado.
Para o pensamento convencional, o preço da liquidez é dado pelo prêmio de alongamento do prazo de vencimento de uma dívida. Em geral, o Tesouro Nacional paga juros maiores em um título prefixado de dois anos, por exemplo, do que os juros de curto prazo, acumulados a juros compostos para os próximos dois anos.
A diferença —que, como vimos, se chama prêmio de alongamento do prazo de vencimento de uma dívida— deve-se ao risco de que entrementes o poupador precise da liquidez e tenha de vender o título no mercado secundário. Há o risco de que, nesse momento, o preço do título seja menor do que o pago na sua compra. Elaborei esse ponto na segunda parte da coluna da semana passada.
Em uma economia em que o presente em relação ao futuro é caro e na qual o risco é alto, os juros reais de longo prazo serão elevados por dois motivos: os de curto prazo serão altos, pois as instituições encarecem o presente relativamente ao futuro; e o prêmio de alongamento do prazo médio de vencimento de uma dívida será elevado.
Esse é o caso do Brasil.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/11/a-discordancia-e-no-juro-real-nao-no-credito.shtml
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