Folha
Companhias de sócio único vão ter adesão automática ao open finance, segundo Ana Carla Abrão, responsável pela estrutura de governança do sistema. A expansão do mecanismo, cinco anos após seu lançamento, ainda esbarra na dificuldade de se popularizar entre empresas.
“Para vários sócios, ainda estamos em processo de discussão. Mas, se a gente resolve o [procedimento do] sócio único, a gente está falando de 85% das empresas deste país”, afirmou ela ao C-Level Entrevista, videocast semanal da Folha.
A ferramenta, criada pelo Banco Central, permite o compartilhamento de dados pessoais, bancários e financeiros entre instituições, mediante autorização, permitindo maior competição a favor do consumidor.
Para Abrão, para as instituições, “não estar no open finance é hoje uma desvantagem competitiva”.
Ainda é um desafio comunicar o que é o open finance, mesmo cinco anos depois do lançamento?
De fato, é um desafio. O que a gente tem que comunicar são os benefícios. O open finance é uma infraestrutura que conecta mais de 700 instituições entre si para fazer compartilhamento de dados, serviços e produtos de forma segura. O foco da comunicação hoje é no que o cliente ou a empresa ganha ao fazer esse compartilhamento de dados. A gente quer trazer um sistema financeiro mais competitivo, mais eficiente, com crédito mais acessível e mais barato.
O que ganha o consumidor fazendo sua adesão?
Em primeiro lugar, praticidade. Daqui a pouco a gente vai se lembrar de quando tinha três, quatro aplicativos de bancos no celular, porque, ao permitir essas conexões, o cliente consegue visualizar suas relações financeiras em um único canal. Ao compartilhar suas informações de investimento, você pode receber de outra instituição uma oferta melhor. Isso vale também para crédito. Todas essas funcionalidades vêm acontecendo com a junção do Pix com o open finance.
O open finance demorou a ganhar tração porque essas conexões tiveram de ser criadas ponta a ponta. Isso levou algum tempo para estabilizar. Mas a gente começa a ver todos esses casos de uso acontecendo. Em fevereiro do próximo ano, a gente vai ter a portabilidade de crédito.
Qual é o potencial do open finance a longo prazo?
O céu é o limite. Não estar no open finance é uma desvantagem competitiva. Quando a instituição não se conecta, ela vê um pedaço do seu cliente, enquanto o competidor que está no open finance consegue ver esse cliente na sua totalidade.
O sistema gera uma fonte de inovação grande, porque, ao ter toda uma diversidade [de instituições], uma série de produtos vão surgindo.
No estado de São Paulo, que tem um sistema de transporte público gigantesco, você consegue recarregar o bilhete único por meio do WhatsApp. Isso é open finance. Você começa a criar possibilidades que são muito amplas. Por isso, digo que a gente nem sabe aonde vai chegar.
Que receio as pessoas ainda têm em relação ao uso e à segurança dos dados? O que pode ser uma barreira à expansão dessa estrutura?
O ecossistema do open finance é 100% composto de instituições reguladas, que estão sob o guarda-chuva de supervisão e fiscalização do Banco Central e têm que atender a regras e requisitos regulatórios bastante elevados.
Como o processo de conexão é de ponta a ponta, os dados dos clientes não ficam armazenados num único banco. Essa construção foi feita para minimizar os riscos e garantir requisitos regulatórios. É claro que a gente sabe que fraudes muitas vezes conseguem superar mesmo os padrões mais elevados de segurança. Por isso, a gente tem que estar atento, buscando se antecipar a esse processo.
No open finance, com cinco anos de existência, temos tido controle sobre esse processo. Nenhum evento de fraude ou vazamento foi registrado. Vamos trabalhar para que isso não ocorra, mas também com a humildade de [reconhecer] que essas coisas podem fugir ao nosso controle.
A adesão entre pessoas jurídicas está avançando em um ritmo mais lento do que o esperado?
Ainda temos um desafio, que não é necessariamente do open finance, mas da estrutura do mercado financeiro. Hoje, quando a pessoa física dá autorização de compartilhamento entre duas instituições, o identificador é o CPF.
Quando a gente vai para o CNPJ, a mesma coisa deveria valer para a empresa de sócio único. Aquele CPF representa aquela empresa. Só que não é assim que acontece na prática. Embora exista um CNPJ com um sócio único que tem seu CPF, esse CPF pode ter dado poderes por meio de uma procuração para outro CPF. E mais: pode ter dado esse poder a uma instituição financeira e não a uma outra. Quando isso ocorre, a jornada quebra e gera uma frustração, porque parece que o open finance não está funcionando.
A gente está trabalhando para garantir que esses CPFs tenham representação de forma mais universal e reconhecida entre as diversas instituições financeiras para que a adesão amplie. Quando você tem um número pequeno de adesões, que é o caso de pessoa jurídica, também tem menos atividade, menos inovação, menos funcionalidades disponíveis.
Como essa representação poderia ser aprimorada?
Está sendo desenvolvido por parte das instituições participantes [um desenho em] que, se eu tenho um sócio único naquela empresa, ao fazer o cadastramento de outro CPF na instituição financeira, já vou automaticamente permitir o compartilhamento de dados por parte desse CPF, a não ser que o sócio diga que não quer.
Para vários sócios, ainda estamos em processo de discussão, para entender se uma função open finance não deveria ser criada para garantir que seja reconhecida por todos os sócios. À medida que você tem vários sócios, o processo se complica bastante. Teria que buscar também uma regulamentação específica para a criação de uma função. São discussões que ainda estão mais incipientes. Mas, se a gente resolve o sócio único, a gente está falando de 85% das empresas deste país.
Esse processo de adesão automática das empresas de sócio único já é uma decisão tomada?
É uma decisão tomada no âmbito dos grupos técnicos. Todo esse processo é construído junto com os participantes de mercado. Estamos desenhando a solução do ponto de vista tecnológico para aprovar o cronograma junto ao conselho e ao Banco Central. Mas a solução já está totalmente aprovada. Imagino que até o final do ano ou início do ano que vem tenha o processo simplificado.
Houve resistência dos bancos ao open finance, com temor de maior concorrência nesse ambiente facilitado?
Em toda agenda disruptiva, é natural que se observe resistência. Do ponto de vista das instituições incumbentes, essas informações foram coletadas, armazenadas, custodiadas ao longo de, em alguns casos, século. É natural que uma agenda disruptiva que diz “essa informação é do cliente, que tem o poder de compartilhar essas informações com o seu concorrente” gere desconforto. A Associação Open Finance é composta por todos esses participantes, desde os bancos até fintechs. A gente tem conflitos legítimos.
A Associação Open Finance fica como um árbitro nessa disputa?
A associação [atua] como esse árbitro que opera toda essa infraestrutura, que balanceia custos e benefícios, avalia os benefícios de cada produto, para gerar valor para a sociedade na ponta. Nosso papel é garantir que, no final do dia, o que está sendo colocado à disposição para o consumidor financeiro é algo que vai gerar valor para ele, mesmo que isso gere conflitos do ponto de vista dos participantes.
No início das atividades, houve uma redistribuição do peso dos votos. Como isso ficou? E como é a divisão do custo de manutenção? É proporcional ao tamanho dessas instituições?
A gente tem um conselho composto por 10 cadeiras, 8 dos participantes são as associações, e 2, conselheiros independentes. Então, é muito diverso, muito representativo, e [tem] um poder diluído.
Uma casa não tem poder de bloquear um avanço, uma funcionalidade ou um produto porque se sente individualmente prejudicada no seu negócio. É sempre um equilíbrio que depende de coalizões. Tem situações que [o tema] é bom para um, é médio para outro e tem dois conselheiros independentes que fazem um pouco também [a figura] de fiel da balança em caso de empate. A governança foi desenhada de uma forma muito inteligente para garantir esse equilíbrio muito tênue.
Do ponto de vista de funding, inicialmente era uma conta muito simples, por patrimônio líquido e, portanto, as grandes instituições representavam 90% da conta, se não 100%. Depois, houve um rebalanceamento em que o Banco Central estabeleceu um teto. A partir disso, o valor restante é rateado de novo por todas as instituições. Isso faz com que os grandes hoje respondam por cerca de 40% do total do financiamento da associação. Mas vale lembrar que a associação é uma parcela pequena. O custo do open finance acontece principalmente nos participantes, porque é uma rede distribuída, conectada ponta a ponta.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/12/empresas-de-socio-unico-terao-adesao-automatica-ao-open-finance.shtml

