Estadão
O “inferno no campo fiscal” é criação do atual governo
Perdão pela repetição de temas, mas não há como deixar de tratar mais uma vez das afirmações do ministro da Fazenda durante reunião nesta semana. Segundo Fernando Haddad, o presidente Lula herdou um “inferno no campo fiscal” dos governos Temer e Bolsonaro. A afirmação é simplesmente falsa, não só à luz do que ocorreu nos governos anteriores, como – e principalmente – pelo próprio desempenho do atual governo, com participação ativa de Haddad.
A melhor maneira de entender é recorrer chamado “resultado estrutural” do governo, isto é, o saldo propriamente dito das contas públicas sujeito a dois ajustes importantes.
O primeiro deles busca eliminar dele tanto receitas como despesas que não costumam se repetir. Por exemplo, do lado das receitas, as oriundas da cessão onerosa de exploração do pré-sal à Petrobras, ou, pelo lado da despesa, gastos com a pandemia. Feito este ajuste temos o chamado “resultado recorrente”, isto é, aquele obtido a partir de receitas e despesas habituais.
O outro ajuste busca isolar o impacto do ciclo econômico sobre o resultado recorrente. Quando a economia cresce, tributos tendem a aumentar proporcionalmente mais, melhorando o resultado; quando entra em recessão, o contrário ocorre. Eliminando este efeito, temos um resultado recorrente ajustado ao ciclo econômico, isto é, o resultado estrutural.
A Instituição Fiscal Independente, IFI, produz regularmente estimativas desta variável, cobrindo o período de 1997 até 2024. Os dados revelam uma forte deterioração fiscal a partir de 2005, quando o superávit estrutural equivalente a 2,5% do PIB se tornou déficit de 1,8% do PIB em 2016, ao longo no segundo governo Lula, bem como nos de Dilma Rousseff.
Durante o breve período Temer o resultado estrutural se manteve ao redor deste patamar, mas suas iniciativas na área fiscal permitiram ao governo Bolsonaro recompor um modesto superávit em 2021, 0,7% do PIB, caindo para 0,4% do PIB em 2022.
Agora as estimativas da IFI apontam para o retorno das contas no vermelho: -1,4% do PIB em 2023 e -1,5% do PIB em 2024. Como se vê, se há um inferno fiscal, ele foi gestado durante o governo Lula.
De fato, entre 2022 e os 12 meses terminados em outubro deste ano os gastos federais aumentaram em R$ 309 bilhões (já corrigidos pelo IPCA), decorrentes de políticas decididas pelo governo, como, por exemplo, a elevação do salário-mínimo acima da inflação.
O inferno não são os outros; o golpe da “herança maldita” já perdeu o prazo de validade.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/o-inferno-nao-sao-os-outros/
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