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Em busca de boas notícias

Folha

Esta é a última coluna de um ano em que muito escrevi sobre deterioração institucional, fiscal e ética no Brasil. Não faltaria assunto para continuar no mesmo diapasão: ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sob suspeitas graves, um orçamento fechado à base de criatividade e exceções ao arcabouço fiscal, crime organizado com operadores em altos cargos nas instituições públicas.

Mas vou fazer um exercício de otimismo, buscando sinais de que a sociedade pode reagir.

Comecemos pelo Banco Central, onde a nomeação de Gabriel Galípolo para a presidência da autarquia trouxe o risco de descarrilamento da política monetária. Afinal, seu histórico profissional era de descrença no regime de metas de inflação, com alta dose de heterodoxia. No entanto, Galípolo tem conduzido com firmeza a política monetária, em parceria com a diretoria do banco, resistindo ao assédio político do PT e do Executivo.

Fica a sensação de que a autonomia do Banco Central está se consolidando. Talvez seja cedo para comemorar. Lula pode ter jogado, até agora, com a tática de fazer críticas públicas, mas avalizar internamente a ação do BC, obtendo, com isso, duplo ganho: afaga a esquerda e controla da inflação. Há riscos no radar: em ano eleitoral, o presidente nomeará dois diretores para substituir aqueles que estão entre os mais fortes defensores de uma política monetária consistente.

A segunda notícia positiva foi o STF ter confirmado parte da reforma da previdência, que estabelece o cálculo do valor do benefício por incapacidade permanente. Havia ação na Corte para que este benefício equivalesse a 100% da média dos salários do trabalhador.

Como explicou Pedro Nery, em excelente coluna no Estado de S. Paulo, se esta tese prevalecesse, a aposentadoria por incapacidade pagaria mais que a tradicional e permitiria aposentadoria mais cedo, o que estimularia judicialização, criando oportunidade para uma indústria de atestados médicos. O placar foi apertado: 6 a 5. Haverá mais emoções em julgamentos similares no futuro.

A terceira boa notícia é que o governo não conseguiu derrubar o novo marco legal do saneamento básico. Dados da ABCON/SINDCON indicam que a participação privada no investimento em saneamento subiu de 15% para 27% entre 2020 e 2023. Após 2020 foram realizados 60 leilões de concessão, em um ambiente mais competitivo, metas claras de universalização, clareza e estabilidade regulatória.

Aliás, há alguns anos, em todas as áreas de infraestrutura, nos três níveis de governo, estão crescendo as PPPs e concessões, em um ambiente regulatório mais estável e modelagem mais madura, com o mercado de capitais disponibilizando recursos, o que tem permitido mitigar o nosso atraso na infraestrutura. Por exemplo, estudo da CNT mostra que as rodovias em condição boa ou ótima subiram de 33% em 2024 para 38% em 2025.

A aprovação do PL do devedor contumaz, a rejeição da PEC da blindagem e algumas bem-sucedidas operações conjuntas de instituições públicas contra o crime organizado são sinais de que ainda não perdemos essa guerra.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/12/em-busca-de-boas-noticias.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Eu gostaria de encerrar esta coluna comemorando o acordo Mercosul-União Europeia. Teríamos abertura comercial e menor espaço para subsídios a setores influentes, impulsionando a produtividade. Infelizmente, a UE roeu a corda. Mas já é um alento ver o Brasil do lado que quer assinar.

As boas notícias são poucas. Algumas frágeis e passíveis de reversão. Mas existem, e dão ânimo àqueles dispostos a construir uma sociedade justa, honesta e próspera. Feliz ano novo.

Sobre o autor

Marcos Mendes