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Entrevista: Mário Mesquita

Valor Econômico


A recuperação da atividade econômica mostrou-se mais lenta do que se previa nos primeiros meses de 2018, o que coloca no radar um risco de o desempenho do PIB neste ano ficar aquém das expectativas. Mas, para o economista chefe do Itaú Unibanco e exdiretor de Política Econômica do Banco Central, Mario Mesquita, existem fatores importantes trabalhando a favor da recuperação econômica, cujo resultado deve ser observado nos próximos meses: a evolução do crédito, em especial para as famílias, e o efeito defasado da política monetária do Banco Central.

“A recuperação tem sido e vai ser mais alimentada pelos efeitos defasados da política monetária”, afirma Mesquita. O Banco Central iniciou o ciclo de corte de juros em outubro de 2016 e, desde então, já reduziu a Selic em 7,75 pontos percentuais. “A economia não
reflete parte importante dos cortes de juros que o BC já fez na segunda metade do ano passado. Isso vai começar a ter efeito maior sobre a economia agora e no segundo semestre deste ano.” Isso explica a sinalização feita pelo BC na quinta-feira passada, na divulgação do Relatório de Inflação, de que deverá haver uma “pausa” no ciclo de corte de juros a partir de junho, quando a Selic já deverá estar em 6,25%. Para Mesquita, a partir daí, a política monetária deverá estar em “ponto morto” até meados de 2019.

A perda de dinamismo que se observa nos dados de atividade levou o Itaú a rever, de forma preliminar – ainda há números relativos a esse período a serem divulgados -, sua estimativa para o crescimento no primeiro trimestre de 1% para 0,5%. Para o ano, a projeção ainda é de crescimento de 3%, “com viés de baixa.”

O ritmo mais lento da retomada, que mantém bastante elevado o nível de ociosidade da  economia, ajuda a explicar os núcleos de inflação mais baixos e também contribuem para consolidar uma tendência declinante dos índices de preço. Mas para garantir que a inflação torne-se estruturalmente baixa, Mesquita afirma que é preciso ainda garantir que o ajuste fiscal aconteça. “Todo esse progresso que a gente teve no campo da inflação só acontece porque a gente tem confiança que a situação fiscal será colocada nos trilhos, que a dívida será posta numa trajetória estrutural sustentável”, afirma.

Além disso, é preciso ter uma meta de inflação mais baixa. O Conselho Monetário Nacional (CMN) já definiu uma redução da meta para 4,25% no próximo ano e para 4% em 2020. “Uma redução para 3,75% em 2021 seria bastante apropriada. Isso seria uma forma de tentar travar esse patamar de inflação mais baixa que a gente atingiu agora”, afirma.

A seguir, os principais pontos da entrevista:

Valor: O que explica o comportamento da inflação neste primeiro trimestre, que seguidamente veio abaixo do previsto pelos analistas?
Mario Mesquita: A inflação, de fato, surpreendeu todo mundo, o mercado e próprio Banco Central neste início de ano. Houve um comportamento melhor do que o antecipado na questão dos alimentos, que é algo que a gente está acompanhando há um tempo. Nas nossas projeções para o ano, elas embutem uma normalização do preço de alimentos. Voltaria a ter inflação de alimentos, ainda que moderada. Teve também a questão das bandeiras tarifárias, que volta e meia surpreendem.
Valor: A atividade, um pouco mais fraca, também ajuda a explicar essa inflação?
Mesquita: Não há dúvida de que o hiato do produto é amplo. A gente estima, por exemplo, que a taxa de desemprego que não provoca aceleração mais generalizada dos salários deve estar em torno de 10%. Estamos consideravelmente acima disso, mais para 12,5%. Olhando especialmente para o mercado de trabalho, a gente não vê nenhuma pressão mais pronunciada de inflação. A recuperação tem sido e vai ser mais alimentada pelos efeitos defasados da política monetária. Mas é verdade que os indicadores no início do ano também mostraram uma certa perda de dinamismo. É normal essa oscilação nesse tipo de processo de recuperação econômica. Por enquanto, é algo mais para ara a gente monitorar do que uma evidência definitiva de que a atividade econômica vá arrefecer na frente. Mas há um sinal que requer alguma atenção nos dados que foram divulgados recentemente. Houve uma pesquisa de serviços que veio abaixo do esperado e isso nos levou a reavaliar, por exemplo, a nossa estimativa preliminar do PIB do
primeiro trimestre, para algo mais próximo a 0,5%, e estava mais próximo a 1%. E tem, sim, alguns sinais enfraquecendo. Por outro lado, olhando a atividade nos próximos meses, tem alguns fatores muito positivos, como a evolução do crédito, em especial o crédito para as famílias, como mostram os dados do Banco Central.
Valor: O que explica esse avanço dos empréstimos para as pessoas físicas mesmo com os spreads altos?
Mesquita: A inadimplência das famílias está caindo. A demanda por crédito por parte das  famílias tem aumentado. Elas desalavancaram de fato durante muito tempo a partir de 2012 e tem um momento que elas voltam a tomar crédito para consumir. Acho que é isso que está acontecendo.
Valor: Sua projeção para o PIB no ano também mudou?
Mesquita: Não. Estamos com projeção de 3%. Mas talvez o risco seja assimétrico na direção de um crescimento um pouco menor do que isso. Por ora, em função esses dados um pouco mais fracos no começo do ano, com viés de baixa.
Valor: Do lado da demanda, mudou o cenário para o consumo das famílias ou para os  investimentos?
Mesquita: Não, estamos vendo uma retomada do crédito que tende a favorecer de forma  importante o consumo das famílias. O crédito para o consumo principalmente está até  avançando mais rapidamente do que o crédito corporativo. Por isso que não mudamos a nossa projeção para o ano, por enquanto. Pode ser que em algum momento a gente tenha que fazer isso, mas por enquanto é mais uma questão de mudança no balanço de riscos, que ficou mais assimétrico em direção a um crescimento um pouco menor, do que mudança do cenário central.
Valor: Mas qual o peso desses números mais fracos no primeiro trimestre na surpresa inflacionária observada no primeiro trimestre?
Mesquita: O hiato do produto, a capacidade ociosa que existe na economia, funcionam melhor para explicar a tendência da inflação ou as medidas de núcleo do que para explicar a inflação  cheia, que é muito influenciada por fatores mais voláteis ou administrativos, como a gente mencionou. Bandeiras tarifárias ou preços de alimentos têm menos a ver com o grau de ociosidade da economia.
Valor: O que dessa inflação baixa a gente já pode considerar que realmente é estrutural?
Mesquita: Vários países, quando há uma recessão profunda e prolongada e a política  monetária é conduzida de forma adequada, têm essa mudança de patamar inflacionário. Uma economia bem diferente da nossa, mas um caso que vem à mente, é o de Israel, que teve essa transição de inflação e taxas de juros altas para inflação e taxas de juros mais baixas na esteira de uma recessão e de outros choques econômicos também. Essas mudanças acontecem. Aqui, do lado estrutural, falta, contudo, o ajuste fiscal. Todo esse progresso que a gente teve no campo da inflação só acontece porque a gente tem confiança que a situação fiscal será colocada nos trilhos, que a dívida será posta numa trajetória estrutural sustentável, o que requer a continuidade da agenda de reformas, em especial a aprovação de uma reforma da Previdência, talvez até mais ampla do que a que esteve para ser votada nos últimos meses. E para travar uma inflação mais baixa, é preciso ter uma meta de inflação mais baixa. O Banco Central sinalizou que gostaria de
ver uma meta mais parecida com a dos países da região – você tem 3% no México, na Colômbia e no Chile, no Peru é até mais baixa. Mas não acreditamos que o Conselho Monetário vá fazer um pulo de 4% em 2020 para 3% em 2021. Acho que uma redução para 3,75% em 2021 seria bastante apropriada. Isso seria uma forma de tentar travar esse patamar de inflação mais baixa que a gente atingiu agora.
Valor: A discussão sobre a independência do Banco Central também é essencial?
Mesquita: Eu acho que a independência do Banco Central ajudaria muito a gente  conseguir manter a taxa de inflação mais baixa com juros mais baixos. Enquanto o BC não for legalmente independente, vão existir em maior ou menor grau dúvidas sobre a  capacidade de a autoridade monetária agir de forma não correlacionada com o ciclo político. Hoje, nós temos um período de altíssima credibilidade do Banco Central, que tem a ver com a atuação da diretoria do BC, tem a ver com a forma como a sociedade, o governo entendem essa atuação. Mas isso não está estabelecido na lei, é algo que pode ser alterado em outra conjuntura política.
Valor: O Banco Central sinalizou com a ideia de uma pausa do ciclo de alívio monetário. Essa parada pode estar relacionada com a proximidade da eleição?
Mesquita: Eu acho que o BC está muito corretamente atuando de forma pouco correlacionada com o ciclo político. Mas é óbvio, contudo, que se a incerteza, seja por ordem eleitoral, seja por razão externa, vier a afetar o funcionamento da economia, o BC vai levar em consideração em seu processo decisório. Você pode ter uma reconfiguração do preço de ativos que implique maiores riscos inflacionários à frente, e o BC vai levar isso em consideração. Por outro lado, pode ter um aumento da incerteza que iniba a recuperação da economia. Também é algo que o BC vai pesar e vai ver o que vai ter maior influência. Eu acho que a sinalização das autoridades na direção de uma pausa tem a ver com a magnitude da flexibilização monetária já feita e a defasagem dessa política. A economia não reflete parte importante dos cortes de juros que o BC já fez na segunda metade do ano passado. Isso vai começar a ter efeito maior sobre a economia agora e no segundo semestre deste ano. É razoável que o BC espere algumas reuniões
para avaliar se precisa ou não flexibilizar mais a política monetária.
Valor: Como fica o cenário do Itaú para a taxa de juros?
Mesquita: Esperamos que o BC corte a Selic mais uma vez em maio e depois fique parado durante um bom tempo. Voltando ao que mencionei antes, temos uma folga, uma capacidade ociosa, principalmente no mercado de trabalho, bastante importante e que deve demorar a ser reduzida. Dessa forma, a gente não vê a emergência de pressões inflacionárias ao longo deste ano. No ano que vem, aí sim, teríamos um início da normalização do processo de elevação da taxa de juros, mas em meados ou no segundo semestre do ano. Uma qualificação que eu faço é que esse cenário embute que em algum momento de 2019 a gente vai retomar a agenda de reforma fiscal com sucesso. Se isso não acontecer, pode haver uma reconfiguração dos preços de ativos que levaria a um incremento das expectativas e das pressões inflacionárias, suscitando talvez a necessidade de o BC antecipar um processo de normalização de taxa de juros. Não é no
que acreditamos, mas é um risco que existe.
Valor: No relatório de inflação, a projeção para o IPCA de 2020 está em 4%, considerando-se a projeção para Selic da Focus, de 8%. Isso indica que o juro neutro está na casa de um dígito?
Mesquita: Acho que há sinais de que o juro neutro está mais baixo do que ele foi no passado. Se ele vai permanecer nesse patamar, vai depender, volto a repetir, das reformas. Depende da meta de inflação também. Se a gente reduzir a meta, você pode ter sim um juro neutro mais baixo, mais para 8%. Se mantivermos a meta inflação onde está, daí o neutro provavelmente vai ficar acima desse valor.
Valor: Por que os spreads bancários estão demorando tanto a cair? Essa agenda do governo, de cadastro positivo, vai realmente ajudar?
Mesquita: O crédito está retomando, os dados do BC corroboram isso. O cadastro positivo, muito provavelmente, contribuiria para aumentar a competição dentro do sistema bancário, porque as informações sobre os tomadores de crédito ficam disponíveis de forma mais disseminada. Sobre o ritmo de redução do spread, isso tem a ver com o ritmo também demorado da redução da alavancagem e da inadimplência em alguns segmentos, notadamente no crédito corporativo. E ele vai acontecer. Em alguns ciclos ele é mais rápido, em outros é mais demorado, mas vai acontecer desde que a gente preserve esse ambiente de taxas de juros mais baixas que, volto a dizer, depende de aprovação das reformas.
Valor: A redução dos compulsórios anunciada pelo BC vai ter impactos relevantes sobre os spreads?
Mesquita: As mudanças também aumentaram certas exigibilidades, então o impacto líquido não é enorme, é limitado, embora seja um sinal na direção de favorecer a expansão do crédito.
Valor: Nos últimos dias, o real tem apresentado um desempenho um pouco pior do que outros pares. Isso pode ter relação com a queda do diferencial entre o juro brasileiro e o americano?
Mesquita: O diferencial de taxa de juros tem uma influência sobre o comportamento as moedas no curto prazo. Ele se tornou menos favorável ao real, isso deve estar tendo algum impacto. A contratação de proteção cambial fica mais barata, então os agentes que têm exposição cambial se sentem mais à vontade de fazer esse tipo de operação, e também aqueles que querem aumentar o componente dolarizado do seu patrimônio, o custo de fazer isso também diminui nessa conjuntura. Dito isso, sempre foi comentado especialmente por alguns analistas que o Brasil era vítima do “carry trade”, que distorcia a formação de preços da economia, levava à sobrevalorização cambial, causava toda sorte de malefícios. Agora a gente está com inflação baixa, taxa de juros mais baixas, política monetária muito crível. Isso permitiu ao BC reduzir a taxa de juros e também esse “carry trade”.
Valor: O mandato do presidente Michel Temer está no fim, a reforma da Previdência ficou para o ano que vem, há mudanças nos ministérios, pessoas próximas ao presidente foram presas. Em que o governo deveria concentrar esforços nesse últimos meses?
Mesquita: A prioridade número um do lado fiscal é a Previdência. Mas eu entendo que conseguir maioria constitucional nesta altura do mandato presidencial é muito difícil, em
qualquer mandato. Você chega no fim e o capital político do governo já foi decaindo com o tempo. Então medidas como cadastro positivo, talvez a reoneração [da folha de pagamento], privatização da Eletrobras, acho que são medidas muito importantes, não tão críticas do ponto de vista fiscal quanto a Previdência, mas importante, meritórias. Acho que o governo deveria focar nessas questões.
Valor: O BC fez muitas mudanças na condução da política monetária, inclusive em sua  comunicação. E foi acusado de ser excessivamente conservador em algum momento. O que pode ter sido determinante nos resultados que se vê hoje na inflação?
Mesquita: Acho que houve sim avanços na comunicação, mas a melhor comunicação sobre decisões de política econômica erradas não salva. Então acho que as decisões foram fundamentalmente corretas. Em um país com um histórico inflacionário bem ruim como o nosso, o BC se preocupar, como foi o caso nesta gestão, primeiramente em ancorar as expectativas para depois flexibilizar a política monetária foi a sequência adequada. Isso merece elogios, porque não foi uma opção fácil na época. Uma coisa que o presidente do BC tem falado, e falou na posse dele, é muito “back to basics”, olhar o modelo, olhar a economia e tomar as decisões com calma e tranquilidade, focando sempre na estabilidade de preços. Acho que é isso que eles têm feito. Herdaram uma situação um tanto complicada, com inflação alta e economia em recessão, uma conjuntura difícil. Não acredito que mudanças de 50 pontos base [na Selic], de um lado ou de outro, fossem fazer uma grande diferença no ritmo de retomada.
Valor: Aqui e ali, o mercado começa a colocar em pauta que pelo menos parte dos diretores do Banco Central permaneça no cargo no ano que vem. Essa é uma possibilidade concreta?
Mesquita: Na prática brasileira, a gente tem tido, em geral, não sempre, transições, por exemplo a de 2003, em que boa parte da diretoria do BC ficou depois da mudança na
Presidência da República. Faz parte da governança dos BCs que os mandatos da diretoria não coincidam com o mandato do presidente da República. Isso não está no nosso arcabouço legal. No entanto, no nosso arcabouço legal o diretor do BC segue nessa posição enquanto ela não se demitir ou for demitida. Então o mandato presidencial expira dia 31 de dezembro e a diretoria do BC continua trabalhando, a menos que o novo presidente remova a diretoria ou se algum diretor queira sair. Então não tem nenhum problema legal, não tem nenhum empecilho legal. Do ponto de vista de desempenho, eu, como cidadão brasileiro, gostaria que eles continuassem, porque acredito que têm prestado excelentes serviços para população. Se eles vão ou não ficar, seria uma boa ideia quem quer que seja eleito em outubro conversar com eles e tentar convencê-los a ficar, continuar a fazendo o excelente trabalho que vêm fazendo. Se vão continuar ou
não, eu não sei, mas torço para que continuem.

Lucinda Pinto & Estevão Taiar

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

 

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita